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Professor Pedro Bodê a pesquisa que virou livro: análise em Curitiba e Foz do Iguaçu | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Professor Pedro Bodê a pesquisa que virou livro: análise em Curitiba e Foz do Iguaçu| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Criadas para proteger as instalações públicas e auxiliar quando necessário as polícias Federal, Civil e Militar, as Guardas Municipais foram adotadas por 51% dos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, nos últimos 22 anos; e por 80% das cidades com mais de 500 mil moradores. No Paraná, além de Curitiba, outros 12 municípios fundaram sua própria instituição de segurança pública.

Durante dois anos, pesquisadores de quatro universidades federais brasileiras analisaram, através de pesquisa qualitativa e quantitativa, o processo de implantação e funcionamento das Guardas Municipais em oito municípios brasileiros: Belo Horizonte e Mariana, em Minas Gerais; Vitória e Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo; Rio de Janeiro e Macaé, no Rio de Janeiro; e Curitiba e Foz do Iguaçu, no Paraná.

O trabalho resultou no livro As Guardas Municipais no Brasil: diagnóstico das transformações em curso. Nele são abordados os diferentes projetos de funcionamento, as ações, os processos de treinamento e recrutamento, a relação com a Polícia Militar, o uso ou não de arma de fogo, entre outros assuntos.

No Paraná, o trabalho foi desenvolvido pelo professor Pedro Bodê, do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele conversou com a reportagem da Gazeta do Povo sobre as transformações observadas na Guarda Municipal de Curitiba e de Foz do Iguaçu. Acompanhe os principais trechos da entrevista:

O senhor foi responsável pela pesquisa aqui no Paraná, tendo como objeto as Guardas de Curitiba e Foz do Iguaçu. O que foi possível concluir?

Nacionalmente, a gente observa dilemas parecidos. O quadro observado em Curitiba e em Foz do Iguaçu não é um quadro regional, estadual, exclusivo. Observarmos dilemas semelhantes no Brasil inteiro. E que dilemas são estes? Se a Guarda Municipal é efetivamente polícia, ou seja, tem poder da polícia. Esta é uma primeira discussão. A outra discussão é sobre o caráter da Guarda. No estudo observamos que existe uma influência muito grande da Polícia Militar sobre as Guardas. E uma parte delas acabou se militarizando. E ao se militarizarem, copiarem o modelo da PM, elas acabaram se tornando mais ostensivas do que comunitárias, de proximidade. Nós também observamos na pesquisa que existem guardas que querem manter uma característica mais comunitária, e lutam para isso. Isso ficou muito evidente na comparação entre Curitiba e Foz do Iguaçu. A Guarda de Curitiba tem noção dessa característica de proximidade, de caráter comunitário. Ela tem orgulho de saber que a população a considera e a respeita, que não tem medo dela. Já a de Foz não. A Guarda de Foz é mais militarizada, atua com outras polícias, com carros blindados. De qualquer maneira, é interessante falar que ambas as Guardas, tanto de Foz quanto de Curitiba, sentem certa inveja da PM. Eles acham que a PM é mais corporativista. E os guardas querem esse corporativismo. Ou seja, se por um lado eles rejeitam o militarismo, por outro, eles gostariam de certo grau de corporativismo.

Na sua opinião, qual é o modelo ideal para a Guarda Municipal?

Esse é um grande debate que se faz. Primeiro, se a Guarda deve ser uma polícia municipal ou apenas um agente comunitário. Eu sou simpático à ideia de municipalização do sistema de Justiça Criminal. Nesse sentido, a Guarda Municipal deveria ser polícia. Mas essa ideia tem de ser muito amadurecida. Hoje, grande parte dos investimentos do governo federal está inserida nas Guardas Municipais. No entanto, os modelos das Guardas é a Polícia Militar. Uma prova disso é que, na maioria das vezes, os comandantes das guardas são oficiais ou ex-oficiais. Essa cópia do policiamento ostensivo, militar, compromete a ideia de policiamento comunitário, que poderia lidar com a maior parte dos conflitos, dos pequenos delitos. Para casos de crimes, casos graves, se empenhariam os grupos especializados. Precisamos de uma polícia que saiba lidar com os conflitos do cotidiano, que seja respeitada pela população e vista com autoridade.

A Guarda Municipal ajudou a diminuir a criminalidade? Como?

Certamente. Mesmo quando pensamos que a Guarda Municipal lida com um conjunto de pequenos conflitos, como perturbação da ordem e do sossego, ela evita que esses pequenos delitos se tornem um problema maior. Existe um conjunto de pequenos problemas, que se não sofrerem uma intervenção, podem resultar em algo mais grave. Acredito que o trabalho da Guarda ajudou a diminuir a criminalidade nesse sentido. À medida que a Guarda tem feito algum tipo de atividades de policiamento ostensivo, lidando com crimes mais graves, também tem ajudado.

O guarda municipal deve ter porte de arma?

Se a Guarda Municipal virar polícia, e existe uma discussão muito forte em andamento sobre isso, aí sim, os guardas precisarão de armamento. Mas veja, por exemplo, os guardas municipais do Rio de Janeiro não querem arma. Eles acreditam que isso os tornaria alvo de criminosos. Acho que essa não é uma questão central. Acredito que precisamos avançar mais na questão das armas não letais, por exemplo. A questão do armamento varia de lugar para lugar, região para região e das atividades que os guardas têm de desempenhar.

O modelo de segurança pública atual é eficiente?

Eu acho que no Brasil existe uma ideia, principalmente na Polícia Militar, de que se faz segurança pública com enfrentamento, como no faroeste. Isso tem a ver até com essa coisa masculina, de ir para o embate. Eu acho que essa política ultrapassa inclusive questões organizacionais. Está mais para questões culturais, próprias. As políticas de enfrentamento se mostraram um estrondoso fracasso. São aplicadas no Rio de Janeiro há, pelo menos, 20 anos. Não adiantou nada. Não diminuiu a sensação de insegurança. Não combateu o crime. A política de enfrentamento precisa ser mudada. Qualquer polícia, inclusive a Guarda Municipal, que adote essa política, está equivocada. Em Foz do Iguaçu, a Guarda Municipal tem uma atuação ostensiva, comprou esse discurso, que inclusive é apoiado pela população. Mas não mudou nada. Eu acho que existe um equívoco e um desvio teórico daquilo que deveria ser a Guarda, de como ela foi pensada. Eu sou favorável que Guarda atue em outras frentes, além de resguardar o patrimônio, mas ela não pode atuar no enfrentamento, no policiamento.

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