Especial / Perfil
Este perfil faz parte de uma série que retrata, periodicamente, figuras da sociedade de Curitiba e do Paraná.
O piá de olhos muito azuis ajudava o pai, Victor Hertz, na lida diária do Armarinhos Voluntários, na pacata Curitiba de duas décadas atrás. Cuidando do caixa da tradicional loja no centro da cidade, David Hertz não imaginava que seu destino estaria ligado à comida e de um jeito muito especial.
Apesar de formado como chef, com especial pendor para temperos, David costuma dizer que seu talento não é exatamente com as panelas, e sim, como gestor e fazendo o bem. Enquanto saboreia um sanduíche e um suco em um típico café curitibano, durante rápida visita à cidade, ele conta que não se sentia totalmente feliz nem como cozinheiro nem como sócio e consultor de restaurantes e bufês para eventos carreira que iniciou em São Paulo e na qual foi bem-sucedido. Faltava alguma coisa, relembra. Ao dar aulas, vislumbrou um caminho. Quando visitou uma favela, tudo mudou. "Meu negócio é lidar com gente. Quando estou na cozinha, gosto de estar junto com outras pessoas, trocar experiências, dar dicas".
A Gastromotiva, instituição fundada por ele em 2006, só cresce, espalhando boas iniciativas em favelas e bairros da periferia paulistana. Recentemente, a Gastromotiva chegou aos morros do Rio de Janeiro. David não tem receio de usar o termo "gente pobre". "São as pessoas com quem convivo, para as quais levamos oportunidades. E, sim, vejo muita pobreza neste país, apesar da ascensão da classe C", comenta. Educação e inclusão social são o mote da instituição, sem fins lucrativos, que leva cursos profissionalizantes de cozinha e empreendedorismo gastronômico para jovens e adultos de baixa renda. As aulas ensinam mais do que técnicas de cozinha. "Nos preocupamos em agregar valores como o compromisso sustentável, cidadania, integridade, transparência e a importância do trabalho em equipe", explica David. A entidade já formou mais de 250 aprendizes entre 18 e 35 anos pelo curso profissionalizante. Desses alunos, 93% estão empregados. Muitos ingressaram na faculdade de Gastronomia e nove deles já se tornaram subchefes.
Para chegar à Gastromotiva, a trajetória de David foi longa e rica em experiências. Aos 18 anos, colocou a mochila nas costas e ganhou o mundo. Como muitos jovens, ganhava dinheiro trabalhando em restaurantes. Durante quase oito anos entre Israel, Inglaterra, Tailândia, Índia e Canadá, entre outros países, ele ia para a cozinha sempre que precisava de dinheiro. De volta a Curitiba, David cogitou abrir um restaurante, mas o mercado estava difícil ainda mais na especialidade dele, comida asiática. "Para piorar eu era vegetariano (risos). Cozinhava para amigos, que adoravam, mas me toquei que ia ser complicado viver disso".
Logo veio a oportunidade de se mudar para São Paulo e atuar em cozinhas profissionais. "Percebi minha habilidade para gestão e entendi que o alimento é, na verdade, um meio para entrar em muitas outras atividades", explica. Trabalhando para o prestigiado bufê de eventos do Fasano, entre vários outros restaurantes,
David Hertz formou-se na primeira turma de Gastronomia do Senac Águas de São Pedro. Mais tarde, ao dar aulas de culinária asiática no Senac e na faculdade Anhembi-Morumbi, ligou os pontos: cozinhar, ensinar, formar gente. Mas a experiência reveladora surgiu quando foi convidado a implantar uma cozinha para uma instituição na favela do Jaguaré. "Eu nunca tinha pisado em favela", conta. "Ao conhecer o lugar e as pessoas, caiu a ficha: meu lance é o empreendedorismo social. Fui atrás de informações para saber como isso funciona e aprendi que, para mudar o mundo, a primeira coisa é mudar a si mesmo".
David fez MBA em Gestão e Empreendedorismo Social e meteu a mão na massa. O projeto Cozinheiro Cidadão começou com uma turma de 11 alunos. Virou Gastromotiva a partir da união de forças entre David e uma ex-aluna. "Ela me fez entender muita coisa. Pobre, favelada, tentou suicídio de tão perdida estava. O que faltava? Alguém que a ouvisse, que acreditasse nela, que a fizesse encontrar o seu valor. Então, acho que é isso que as pessoas precisam: encontrar o seu valor. Daí, ninguém mais segura", diz o chef, hoje um Young Global Leader, nomeado pelo Forum Econômico Mundial.
Texto: Bia Moraes
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