Gabriel Guy Léger, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (TC), foi o responsável por acabar com as promoções inconstitucionais que vinham sendo feitas pelo TC desde o fim da década de 80. Em 2004, quando as promoções irregulares pararam de ocorrer, Léger era o procurador-geral do MP junto ao TC. Foi ele quem emitiu o primeiro parecer dizendo que o MP se posicionaria contra as ascensões. Desde então, nunca mais o TC promoveu um servidor a um cargo para o qual o funcionário não havia passado em concurso.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Léger conta que os procuradores-gerais anteriores aprovavam as nomeações pedidas pela direção do TC porque, até então, o ocupante desse cargo era escolhido diretamente pelos governadores, sem a necessidade de seleção entre procuradores de carreira. Só a partir de 2002 isso mudou e os procuradores concursados do MP, como o próprio Léger, passaram a assumir a procuradoria-geral. Foi depois disso, diz ele, que os funcionários concursados do MP tomaram conhecimento de que o TC vinha, sistematicamente, fazendo promoções inconstitucionais. Confira os principais trechos da entrevista.
Por que e como eram feitas as promoções de cargos dentro do TC sem novo concurso público?
A questão principal é que os processos internos do tribunal (para conceder as promoções) eram todos analisados pelos procuradores-gerais ocupantes de cargos comissionados, nomeados pelo governador. Nós (os procuradores concursados) não tínhamos conhecimento do caso. Só em 2002 é que os processos passaram a ser distribuídos para nós, porque entramos com uma ação contra o governador para que o procurador-geral fosse escolhido em lista tríplice.
E o que isso significou para o fim das promoções irregulares?
O Ministério Público, de acordo com a Constituição Federal, tem o direito de ter o seu procurador-geral indicado em lista tríplice dentre os membros da carreira que passaram em concurso público. Em 2002, tivemos a primeira indicação. A partir daí é que passamos a receber os processos e, conseqüentemente, conhecer o que estava acontecendo. Desde então, sempre nos manifestamos contra a ascensão por se tratar de provimento de um novo cargo sem concurso público. É importante salientar que, na época da indicação da lista tríplice, foi necessário ter uma nova lei que disciplinasse o tema. Agora, a cada dois anos há um novo procurador-geral indicado a partir de uma votação feita pelos membros do Ministério Público, que elaboram a lista tríplice para o governador escolher um dentre três nomes.
Como os pareceres do Ministério Público são apreciados pelo Tribunal de Contas?
Nossos pareceres são meramente opinativos. A nossa interpretação é do entendimento da lei e da observância das regras e princípios constitucionais. Mas (essa interpretação) não vincula a decisão do plenário (do TC, formado pelos conselheiros). Ocorre que, por coincidência, quando o primeiro processo de ascensão a que tive acesso entrou em julgamento, eu já era procurador-geral. E, no plenário, sustentei a impossibilidade dessas ascensões, em virtude do que dispõe o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal. Na época, se determinou a nomeação de uma comissão para propor uma solução (para as promoções irregulares). De acordo com o relatório da comissão, apresentado pelo atual conselheiro-corregedor Fernando Augusto Mello Guimarães, que fazia parte dessa primeira comissão, concluiu-se que seria necessário elaborar um novo quadro de pessoal para regularizar o caso.
E esse novo quadro de pessoal já existe?
Ainda não. Mas será a partir desse plano de carreiras e salários que será possível permitir que o funcionário cresça na carreira dentro de um mesmo nível, diferentemente do que estava acontecendo, porque a administração pública tem seus cargos instituídos a partir do nível de escolaridade. Você pode ter uma carreira dentro do mesmo nível; o que não pode é fazer concurso para datilógrafo e ser nomeado assessor jurídico.
Os funcionários que foram promovidos irregularmente podem ter de deixar a atual função e sofrer redução salarial?
Teria de haver uma provocação específica (para ver o que deve ser feito com eles). Só que nós não temos em mãos os elementos necessários para isso porque os processos de ascensão já estão arquivados no Tribunal e nós não temos acesso. Aí, há todo um problema. Se fosse para essas pessoas voltarem ao cargo de origem, elas sempre poderão argüir no Judiciário o princípio da segurança jurídica, da boa fé. Há uma série de coisas que não deixa de caracterizar o princípio da segurança jurídica, pois elas já estão há muitos anos no cargo, sendo que muitas ascensões são anteriores à Constituição de 88.
Isso quer dizer que esses funcionários manterão o salário atual?
É possível que essas pessoas entrem com a ação e o Judiciário dê um provimento favorável no sentido de que elas mantenham o padrão remuneratório, pelo princípio de irredutibilidade dos vencimentos. O Supremo Tribunal Federal sempre tem preservado, quando está à frente o interesse pessoal, o princípio da segurança jurídica e da boa fé. O Poder Judiciário pode determinar que essas pessoas retornem aos cargos de origem, mas elas poderão ter o direito de continuar com os salários que recebiam. Todo este problema só vai efetivamente acabar a partir do momento que existir um plano de carreiras e salários no TC.
Gabriel Guy Léger, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.