| Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo

Com a palavra

Experiência de consultório vira palestra

"É uma situação que vivi", diz Marcos Meier, sobre a palestra "Chocolate na Janela", título de sua fala aos professores ligados ao projeto Ler e Pensar, do Instituto GRPCom. Nos tempos em que atuava em consultório, o educador recebeu como paciente um aluno "que não entendia o que lia", conforme lhe foi relatado. Preferiu duvidar. E foi assim que tudo aconteceu.

Meier repassou ao garoto um livro de histórias infantis. Pediu que fosse lido. Fez perguntas. Nada. Nova leitura, outras perguntas e novamente nenhum resposta sobre a princesa, o dragão e a dragoa da trama.

No dia seguinte, o paciente recebeu o seguinte bilhete. "Fulano, tem um chocolate para você na janela. Assinado: Marcos". Entregou-o, pediu que fosse lido e descobriu que aquele aluno nunca tinha vivido a experiência de conexão entre o texto escrito e a realidade.

O desfecho dessa pequena história é surpreendente, como atesta a descrição de Meier para o momento em que o que estava lavrado no papel – e o que estava à espera na janela – ganharam sentido.

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Serviço

Seminário Anual de Educação e Leitura Ler e Pensar. Segunda-feira (29/10), a partir das 18 horas, no Grande Auditório do Teatro Guaíra (Praça Santos Andrade). Convites dirigidos.

Nos tempos de guri, o educador paranaense Marcos Meier, 50 anos, ajudava a turma da vizinhança com as lições de casa. Jovem estudante de Matemática, queria saber dos seus professores de faculdade por que diabos os alunos tinham tanta ojeriza aos números. Adulto – cursando Psicologia – ensinava aos colegas de classe a lidar com as malfadadas estatísticas. Já profissional – atuou em colégios como Opet, Santa Maria e Martinus –, deu de ensinar mestres como ele a melhorar a capacidade de ensinar.

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Em todas as etapas agradou. Seu público só fez aumentar. A procura foi tanta que, a partir de 2008, Meier teve de se licenciar das salas de aula para se dedicar aos grandes auditórios. Suspeita ter feito cerca de mil palestras. Detalhe – teatros lotam para ouvi-lo falar de assuntos que bem costumam figurar nas primeiras aulas do curso de magistério ou de Pedagogia, nem sempre com efeito. Ele ensina a ensinar.

Se o termo "crônica educacional" ainda não foi cunhado, bem poderia ser a partir de Meier, esse observador nada discreto, de dois metros de altura, voz de trovão e humor em ponto de bala.

Confira trechos da entrevista de Meier à Gazeta do Povo.

Já calculou sua quilometragem?

[risos] Faço duas, três palestras por semana, no Brasil inteiro. Minha média é de 21 por mês, desde 2008. Dá para calcular: são 250 palestras por ano, mais de mil até hoje. O lugar mais longe que fui fica em Monte Dourado, Amapá, no meio da Floresta Amazônica. Me levaram de teco-teco. Desci no meio das árvores. Segui por uma estradinha que corta a mata. Fui o primeiro palestrante de fora a pisar naquela cidade. As pessoas colocaram roupa de domingo para ouvir o que eu tinha para dizer.

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O que move Marcos Meier?

Talvez um episódio da minha adolescência. Eu estava encantado pela ciência. Fazia experimentos no porão da casa de madeira na qual eu vivia, nas Mercês. Havia risco de pegar fogo. Minha alegria acabou quando fui dedado por um irmão mais velho. Ele salvou a casa [risos]. Nessa época, uma frase do Einstein me pegou de jeito. Era assim: "um verdadeiro cientista, quando domina seu conhecimento, consegue explicá-lo para uma criança". Anos depois, entendi que eu não ia fazer teorias de matemática ou aplicar lógicas profundas. Ninguém iria dizer: "meu Deus, como ele é inteligente..." Prefiro que as pessoas ouçam teorias aparentemente difíceis e digam depois de uma palestra: "nossa, como é fácil. Por que nunca ninguém me ensinou dessa forma..."

Do complexo para o simples... Como fazer isso?

Sendo um observador do mundo. Mas me encantam as crônicas. Leio Marta Medeiros e Luis Fernando Verissimo. Os cronistas olham para o dia a dia e encontram o que qualquer um poderia ter visto. É um olhar do diferente. Escrevem de maneira gostosa, rompem com o senso comum. Ensinaram a usar o humor. Tem quem saia rindo das palestras, mesmo tendo levado um tapa.

"Rolou" uma inadequação ao transitar da matemática para a psicologia?

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Sim. Eu tinha saído daquela aula superestruturada, em que o professor traça um risco do lado esquerdo do quadro, vai para o lado direito e faz outro risco. Se ao final você tirar um retrato do quadro está ali um resumo do ponto estudado. No curso de Psicologia, o professor começa a anotar do meio do quadro, põe uma flecha para cá, outra para lá [risos]. Ficava louco. Pensava: "esses caras não têm didática". Eu era quadrado. Estava travado. Queria começo meio e fim...

Quando foi que "destravou"?

Meus colegas do curso de Psicologia tinham dificuldade em trabalhar com estatística. Um dia escutei "aí, Marcão...". Passei a dar aulas para minha própria turma e descobri que gostava de ensinar para adultos. Anos depois, trabalhando no Opet, comecei a ensinar os professores do colégio a lecionar matemática nas séries iniciais. A ensinar adição, por exemplo. Um erro comum é mostrar os cinco dedos e dizer um, dois, três, quatro, cinco. A criança olha o dedo número cinco e pensa que aquele dedo é o número cinco. Não, o dedo cinco são todos os dedos. O aluno mentaliza sequência e não quantidade. Poxa vida, a gente ensina matemática de maneira errada. O pessoal gostou. Fiquei babando – eu estava ensinando alguém a ensinar.

Como lida com os teóricos?

Existem muitas igrejinhas. Tem a do são Vigtosky, a de são Piaget. Os devotos não querem acreditar em outro santo. Os piagetianos não admitem uma boa aula expositiva. Aluno, dizem, tem de construir o conhecimento. Mas quando pergunto como dão aula para os futuros professores, num curso de Pedagogia, descubro que lecionam de forma expositiva. Somos contraditórios.

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Como o senhor resolveu a sua contradição?

Estudei Teoria da Mediação, em Israel. Queria aprender como desencadear no outro a criatividade. Ao invés de pegar o conhecimento pronto, fazer com que o aluno tenha sede de conhecimento e vá atrás. O estudante de hoje tem acesso gigantesco à informação. As escolas não podem ser mais espaços que fornecem a informação. Sua tarefa é ensinar a selecionar, mostrar qual pesquisa tem mais base científica. Isso assusta.

Muitos professores dizem que dão aula para a geração "dá nada". Estamos transferindo o problema da educação para os alunos?

Temos professores fantásticos, é claro. Mas tem quem chame os alunos de desinteressados. O que a gente tem de transmitir é que estudar exige esforço, persistência. Se não houver desejo, é preciso mediação, apontando métodos. É possível encantar o aluno, sempre. E o professor precisa resgatar essa identidade [a de encantador]. Só o professor que encontra sua identidade se realiza.

Pelo que lhe perguntam nas palestras, qual a maior angústia do professor?

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Disciplina. Antigamente, havia recursos. Transgressões mais graves levavam à suspensão, à expulsão. Mas o professor perdeu a autoridade. Pode ser processado pelos pais. Os alunos tomaram conta da sala de aula. É hora de recuperar a autoridade. Como? Primeiro, fazendo um bom vínculo. Tem de ser afetivo, educado, acolhedor. Segundo, exercendo seu lugar. Há bagunça? Tem de fazer parar sem pedir "por favor". É preciso ser incisivo.

Ter dois metros e ser professor de matemática ajudou?[risos]

No começo até que ajudava. Mas depois eu virava o professor legalzão. Os alunos queriam subir na minha cabeça.