O caos em que se encontra o IML do Paraná é fruto da falta de humanização com a qual são tratados não apenas o órgão, mas os que dependem dele. Essa é a opinião da presidente da Associação dos Médicos-Legistas do Paraná (AML-PR), Maria Letícia Fagundes. Há 16 anos no instituto, no qual já fez um pouco de tudo, a médica afirma que o olhar dos sucessivos gestores que passaram pelo governo jamais olhou o órgão com a devida atenção. "Quando você entra no prédio [onde fica o IML], você vê que o instituto está nos fundos. E ele está nos fundos quando o assunto é dar recursos e valorizar quem trabalha lá. E aquele longo caminho que existe entre o IML e a entrada do prédio é o caminho que nos separa da sociedade".
A humanização de que fala a médica passa obrigatoriamente pelo maior aporte de verbas, que permitiria tratar com mais dignidade quem precisa do IML. De fato, a falta de infraestrutura compromete o atendimento à população que, como afirma Maria Letícia, "procura o IML em momentos frágeis, seja porque foi vítima de agressão ou perdeu um ente querido". Atualmente, há quem espere até quatro horas pela chegada da viatura. Isso porque, das quatro disponíveis, apenas uma está em serviço. As outras estão quebradas.
O número de motoristas também está aquém do ideal são dez, quando seriam necessários 14. Não raro, de acordo com um deles, a população chega a agredi-los com palavrões por conta da demora do carro. Dentro do instituto, a situação é igualmente preocupante. Hoje, não há sequer um técnico de radiologia, quando seriam necessários 23. O serviço é feito por um médico legista. O local é improvisado e não tem porta nem vedação, expondo os funcionários aos raios. Agentes de necropsia estão em 14, mas deveriam ser 18. Já o número de médicos legistas é o mais defasado 37 contra 50 necessários.
Em relação ao material, a médica-legista conta que há falta de equipamentos e insumos básicos, como papel para protocolos e exames. O cromatógrafo quebrou em outubro e não foi consertado. Como praticamente 100% dos casos exigem o exame, o laudo toxicológico não é realizado desde então, e mais de 2,5 mil processos estão parados. Um novo cromatógrafo custa R$ 80 mil, mas o governo vai consertar o antigo a manutenção equivale a um terço do preço.
Sonho
Uma funcionária do instituto, que pediu para não ser identificada, conta que a humanização e o tratamento digno de que fala Maria Letícia é um sonho. Na câmara fria onde ficam cerca de 40 corpos não reclamados, não é raro que uma pessoa chegue para fazer a identificação e veja o corpo do parente embaixo de outro. Isso depois que o corpo é localizado. "Quando um parente vem reclamar o corpo, eles tiram um por um da câmara até achar o cadáver. Enquanto isso, eles ficam empilhados no chão da sala", conta.
De acordo com Maria Letícia, a intervenção feita no IML pelo coronel Almir Porcides Júnior teve o mérito de dar visibilidade ao problema, mas, na prática, não avançou no principal quesito recursos. "Ele fez o que pôde, e isso deve ser reconhecido. O problema é que o governo entregou o controle e disse: agora é com você. Virou as costas".