A estiagem e o racionamento anunciado de água têm feito moradores de Campo Largo, na região metropolitana, e de Santa Felicidade, em Curitiba, recorrer a uma velha receita: a invocação do nome do padre Natal Pigato. Segundo os mais antigos, é tiro e queda. O missionário italiano que atuou na região durante três décadas, de 1895 a 1926, marcou a vida de cerca de 30 comunidades e deixou fama de milagreiro. Difícil encontrar entre os veteranos quem não tenha alguma história extraordinária para contar, principalmente a do dia em que o forasteiro fez chover, encerrando uma seca descrita como a ante-sala do inferno.
Foi em 1915. A falta de chuva levou Pigato a organizar uma procissão que dividiria em duas a memória do Caminho do Mato Grosso, também conhecido como Estrada Velha de Campo Largo, cenário desse episódio digno de figurar no catecismo. Um grupo de fiéis saiu de Tucunduva, outro de Ferraria e outro de Rondinha. Quando os fiéis chegaram ao campo chamado de Braghetto, a cerca de 600 metros da Colônia Rebouças, caiu um pé dágua que lava a alma até de quem conhece o fato só de ouvir falar no caso, a maioria. A encruzilhada onde a chuva desabou ganhou uma grande cruz e décadas depois, quando o acontecido poderia ter caído no esquecimento, uma capela em homenagem a Nossa Senhora Medianeira.
Ainda hoje, haja chuva de mais ou de menos, dá para ouvir dos campo-larguenses, em alto e bom som, a invocação do nome do padre Natal. Mal não faz. "Nunca caiu um raio no Distrito de Ferraria", garante Ilda Krjzjanovski Guaresi, 74 anos. À semelhança de boa parte das 1,7 mil famílias que formam a Comunidade da Rondinha, Ilma herdou dos pais informações sobre o religioso e passou adiante. "Dá uma trovoada e a gente diz: Padre Natal. Passa. Se falta chuva, fazemos o mesmo", ensina.
Há controvérsias, claro. Para Ilda, a chuvarada de 1915 começou no momento em que as três procissões se encontraram. Augusto Zattera, 56 anos, que vive a poucos metros do Braghetto, soube que o temporal caiu durante a missa campal; Zilda Rigoni, também vizinha do local, ouviu dizer que o feito se deu depois do terço. Em comum, os vizinhos têm que Natal Pigato é o santo da Rondinha e arrabaldes, e mereceu um cortejo de 20 quilômetros quando morreu, o que justifica ser lembrado há 80 anos como se tivesse acabado de passar pelo Rio Passaúna.
Os oito quilômetros que cortam a Mato Grosso e os 20 que separam a região da Paróquia São José de Santa Felicidade, onde Pigato tinha endereço fixo, dizem, eram cruzados pelo missionário a pé. Outros garantem que o cavalo era seu meio de transporte mais costumeiro. "Nada disso. Ele circulava de aranha uma espécie de charrete da época", diz Augusto Vanin, 80 anos, para quem Natal era um igual. Vanin é uma autoridade no assunto. Natural da Rondinha, ele mora numa casa de colônia erguida em 1906, espécie de segundo endereço do sacerdote, como comprovam os álbuns de fotografia e as lembranças familiares.
O mais provável é que Pigato fosse, acima de tudo, um sujeito que não deixava ninguém indiferente. No livro Igreja da Rondinha, 100 anos de História e Fé, coordenado por Valdemar José Cequinel, a diferença entre Natal e os outros salta das páginas. O padre é descrito como um homem mortificado, que dormia no chão das sacristias e que madrugava para varar a estrada. Não foi o único padre andarilho da época, mas provavelmente um dos poucos a ser identificado de longe, na Estrada Velha, pelo assobio de ladainhas. Sem falar na biografia digna de romance.
Natal renunciou à vocação para se casar, cumprindo a vontade dos pais. Mas a mulher, Felicidade, e a filha, Marina, morreram em 1887, permitindo que se ordenasse. Esse misto de tragédia com predestinação provocou curiosidade, o que só fez aumentar com o tempo. O resto é tarefa para hagiógrafos e historiadores. Trabalho não falta, Augusto Vanin afirma que era notável o poder do sacerdote em benzer as lavouras, livrando-as da praga dos ratos. Mas nada que se equipare à fama de pacificador da meteorologia. Em se tratando da temperamental Curitiba e região, só mesmo com milagre.
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