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 | Christian Rizzi/Gazeta do Povo
| Foto: Christian Rizzi/Gazeta do Povo

Aos 76 anos, a historiadora e professora Anita Leocádia Prestes esbanja disposição quando o assunto é pesquisa e conhecimento. Com um discurso fluente e objetivo, hoje ela dedica-se a estudar o legado do pai, o engenheiro e revolucionário Luiz Carlos Prestes (1898-1990). No mais recente livro Luiz Carlos Prestes: o Combate por um Partido Revolucionário (1958-1990), Anita relata parte da trajetória política do "Cavaleiro da Esperança", entre 1958 até o ano da morte do pai. Também revela de que forma Prestes, um dos principais protagonistas do comunismo brasileiro, distanciou-se da esquerda no país.

Por que a senhora escolheu retratar, na obra, o período de 1958-1990?

O ano de 1958 é importante na história dos comunistas porque a direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB) lançou um documento chamado Declaração de Março de 1958. É um momento no qual se esboça de uma forma mais evidente as divergências de Prestes com a direção do partido, embora ele tenha inclusive contribuído para elaborar e aprovar o documento. Mas ele mesmo reconhecia que tinha feito uma série de concessões para manter a unidade do partido. Então, concilia com tendências mais à direita dentro da direção para combater as tendências mais à esquerda que naquele momento era mais perigoso.

Em qual época esse conflito acentuou-se?

O conflito entre as posições revolucionárias do Prestes e a direção do PCB, que passa por um processo de acomodação e reformismo cada vez maior, vai se acentuando em particular no período do exílio. Nessa época, a direção do PCB, nos anos 70, diante de uma repressão muito violenta no Brasil, decidiu que a direção deveria se deslocar para a Europa. Em 1979, no último ano do exílio, Prestes chega à conclusão de que não dava mais para conciliar. Não havia meio de fazer com que a maioria do Comitê Central fizesse a autocrítica que ele achava que era necessária.

Qual era a base do conflito?

Prestes achava que o caráter da revolução brasileira estava errado; também havia questões como o tipo de democracia pelo qual os comunistas lutam. Mas o básico era a estratégia da chamada Revolução Nacional Democrática que seria uma revolução por etapas e que Prestes e mais alguns companheiros que o apoiavam – a minoria na direção – achavam que não correspondia à realidade brasileira e precisaria mudar. E a maioria do comitê central não queria mudar.

E qual era a proposta de Prestes?

A proposta dele era que o caráter da revolução no Brasil fosse socialista, mas não de imediato. Ele propunha a luta intermediária por um poder que chamava de antimonopolista, antiimperalista e antilatifúndio. Essas seriam as três grandes forças entrelaçadas entre si e articuladas com o estado brasileiro que precisavam ser removidas para abrir caminho para as transformações socialistas.

Nesse contexto, o que o PCB queria?

O PCB queria uma revolução nacional e democrática, ou seja, eliminar o imperialismo e o latifúndio e depois passar um período grande de capitalismo autônomo – e a realidade estava mostrando que não era possível. Enfim, isso está muito documentado. E ao final de 1979, quando rompeu com a direção do PCB, Prestes denunciou o caráter reformista e acomodado do partido, cujo pessoal não queria mais lutar pelo socialismo. Em março de 1980, ele lançou a Carta aos Comunistas. E aí rompe com a direção do PCB e passa a viajar pelo Brasil todo para divulgar suas ideias, inclusive a necessidade de, a partir das lutas populares, incentivar lideranças a estudarem o marxismo.

O estudo e o conhecimento também eram uma marca de Prestes?

Sim. Uma das críticas muito sérias que ele fazia ao ex-presidente Luiz Inácio da Silva era isso. Falava que o Lula não estudava e se orgulhava muito de não estudar. Existe até declarações do Lula dizendo que quando ele consegue chegar à página 17 de um livro é algo estupendo. Então, o que aconteceu com o Lula? O Prestes até saudou muito o surgimento dele como uma liderança autêntica nos anos 78/79. Mas o Lula foi cercado por um grupo de intelectuais. E por não ter cultura política e conhecimento foi levado a seguir o trilho do neoliberalismo e a fazer uma política que interessa a burguesia.

A divergência entre Preste e o partido, na época, pode explicar em parte o que ocorre hoje em alguns partidos de esquerda, ou seja, a descaracterização e aproximação com o neoliberalismo?

Acho que sim. O processo histórico mostrava que as esquerdas no Brasil não conseguiram nem serem lideranças efetivas e nem elaborar um projeto de transformação revolucionária adequada à realidade brasileira. Quer dizer: houve muita tendência a copiar modelos. Primeiro houve o modelo russo, depois o chinês, cubano, albanês entre outros. Então, a tendência revela o atraso cultural do Brasil, que reflete na esquerda. Havia pouco conhecimento do Brasil e não era por culpa das pessoas. Faltavam pesquisas, que só começaram a aparecer nos cursos de pós-graduação de 1970 para cá. O Brasil era muito desconhecido e as pessoas queriam fazer transformações com pouco conhecimento do país e copiar modelos. Encontrar o nosso caminho não era fácil.

* Há outras fontes que grafam o primeiro nome de Prestes com "s". A Gazeta do Povo optou por seguir a opção de Anita, utilizando "z".

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