Morreu às 14h15 de ontem, em Curitiba, o advogado Edmundo Lemanski, diretor-presidente da Rede Paranaense de Comunicação (RPC). Tinha 83 anos. O empresário lutava contra um câncer, ao qual vinha reagindo positivamente desde meados da década. Manteve-se lúcido até o final, apesar da rotina recente de idas e vindas ao hospital, em especial depois de ter decidido interromper as sessões de quimioterapia. Na madrugada de sábado o estado do empresário se agravou.Edmundo Lemanski deixa viúva a também empresária Maria Elsa de Almeida Passos, natural de Campos Novos, Santa Catarina, e os filhos Marco, 44 anos; Maurício, 41; Mariano, 36; Elizabeth, 35, e a neta Sophia, de 6 anos. Estava na expectativa pelo nascimento de Lavínia, que seria sua segunda neta, também filha de Elizabeth.Em 1962, ao lado do jornalista e também advogado Francisco Cunha Pereira Filho, morto em 18 de março do ano passado, Lemanski então diretor do Banco Comercial se lançou no ramo das comunicações. Junto, os dois sócios construíram a maior empresa do ramo do Paraná, e uma das maiores do país, com mais de 1,6 mil funcionários.Edmundo Lemanski nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Cresceu no tradicional bairro Passo da Areia. Era filho de Wladislau e Sophia Lemanski, ambos de origem polonesa, pais de seis filhos. A profissão do pai é incerta. Edmundo dizia que Wladislau tinha dotes de marceneiro, mas teria ganhado a vida como maquinista. Décadas depois, em sua fazenda, no município de São Luís do Purunã, nos Campos Gerais, onde criava cavalo crioulo, instalou uma Maria Fumaça, em homenagem ao pai.
A mudança de Edmundo para Curitiba se deu em 1945, para cursar Medicina. Tinha 19 anos. "Mas eu tinha medo de sangue. Desmaiava. Desisti", comentava. Optou por Direito e foi aprovado na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bem-humorado, em entrevista dada recentemente à Gazeta do Povo declarou que estranhou muito a cidade, então acanhada, cinzenta e exposta a contínuas enchentes. "Custei a achar as moças daqui bonitas", brincou aquele que foi um dos galãs da Curitiba de meados do século passado.
Nos anos de estudos, viveu numa pensão do bairro do Cabral, do qual disse pouco se lembrar. Cedo entendeu que viera para ficar no Paraná. Raramente lembrava ser gaúcho. "Me tornei um paranaense. Essa é a minha terra."
A conversa com a reportagem, na ocasião, serviu de deixa para Lemanski falar das deficiências da capital quando aqui chegou. "Hoje está muito melhor", disse, lembrando o quanto a Gazeta do Povo e a TV Paranaense fizeram pela consolidação de uma capital e de um estado de expressão nacional. Afastado da rotina de suas empresas há cerca de dois anos, desde que os problemas de saúde se agravaram, declarou ter muita saudade das tardes na Gazeta do Povo seu posto de preferência.
Uma carona
Lemanski não lembrava de ter conhecido Cunha Pereira nos tempos da faculdade de Direito da Praça Santos Andrade, embora fossem contemporâneos e tenham se graduado com pouco tempo de diferença. Mas se tornaram conhecidos posteriormente. Foi graças a essa relação próxima que, no início da década de 1960, Francisco Cunha Pereira Filho então um criminalista respeitado ofereceu uma carona a Edmundo. Foi ali que tudo começou.
Doutor Edmundo jamais es queceu aquele dia de janeiro de 1962, em detalhes. "Francisco dirigia o famoso Studbacker", lembrou, a respeito do carro importado pelo qual o advogado era identificado nas ruas da cidade. Deveria ser um dos únicos em Curitiba. No caminho provavelmente em direção ao bairro do Batel , Lemanski surpreendeu Cunha Pereira sugerindo que inventassem um negócio juntos, como a compra da Gazeta do Povo.
Cunha Pereira desconhecia a situação financeira do mais tradicional periódico da cidade, pertencente ao professor Oscar De Plácido e Silva, por quem nutria grande admiração. Lemanski então mais acostumado ao mundo dos negócios conhecia não só os tropeços financeiros do jornal como tinha ciência de que, se bem administrado, poderia se tornar sustentável. "Eu observava a experiência do Correio do Povo, em Porto Alegre. A venda de classificados podia garantir a saúde do periódico. E a Gazeta, apesar de tudo, era o jornal que mais vendia pequenos anúncios na capital."
As negociações com De Plácido foram rápidas, facilitadas pela ajuda de um intermediário próximo. Em março daquele mesmo ano, Francisco Cunha Pereira Filho assumiu a direção da Gazeta do Povo, na qual imprimiu seu estilo logo à primeira edição, abraçando causas paranistas e campanhas de fôlego. Lemanski, ainda ligado ao Banco Comercial, demorou cerca de dois anos até assumir seu posto na nova empresa. "Havia um impedimento legal. Em 1968, não resisti e vendi o banco", contou.
Ele não lembrava detalhes desse período, mas não escondia uma certeza: fez a melhor das escolhas ao trocar o setor financeiro pelo da informação. "A Gazeta era um jornal respeitado. Mas estava se perdendo, publicando até resultado do jogo do bicho. De Plácido não queria vender. Mas entendeu que era o melhor a fazer". A negociação teria sido na casa dos 5 milhões de cruzeiros, pagos em pesadas prestações. Se pensou em desistir? "Não, nunca."
Os sócios se viram de frente para duas verdades: o setor de classificados da Gazeta era de fato muito dinâmico e poderia custear um grande projeto editorial. E o jornal passava por um grave déficit financeiro, como percebeu o homem de confiança da dupla, o também advogado Dilmar Archegas. Foi uma saga recuperar o crédito no mercado, animar a tropa de funcionários não mais de 50, contando uma dezena de jornalistas, gráficos e entregadores. A situação melhorou junto com o chamado "milagre brasileiro", a partir de 1968. Um ano depois, já tendo encerrado a carreira como banqueiro, Lemanski & Cunha Pereira compraram o Canal 12. Na década de 70 ganharam impulso os investimentos no parque gráfico da Gazeta do Povo. "Foi quando vi que o pior tinha passado."
Em silêncio
Lemanski foi sempre uma figura discreta na sociedade paranaense e na sua própria empresa. Sem vaidade como chegou a reconhecer aceitou de bom grado a presença marcante de Cunha Pereira, pelo qual a Gazeta sempre foi identificada. Nos bastidores, no entanto, tinha fama de bom negociador, intuição e tiro certo nos empreendimentos. "Deixei que o Francisco cuidasse da parte editorial. Assinei embaixo. A confiança entre nós era total. Não poderia ter encontrado parceiro melhor", declarou então.
A rotina de Edmundo Lemanski na Gazeta do Povo e TV Paranaense era constante. Vinha quase todos os dias à Praça Carlos Gomes, sede do jornal, e ocupava sala contínua à do sócio. Era homem de hábitos simples. Chegava às 10 horas e lia quatro jornais além da Gazeta, Folha de S. Paulo, O Globo e Estadão. Almoçava quase sempre num restaurante modesto da Avenida Barão do Rio Branco e tinha apreço por temperos fortes e populares. Adorava rabada e mocotó. Não raro, travava conversas animadas com balconistas, garçons e serventes.
Nos últimos anos, mesmo com o agravamento de seu estado de saúde, manteve a proximidade com as pessoas da rua e funcionários. Acompanhado de sua secretária e cuidadora Iracilda Schenfeld e do motorista Jean Magalhães ia diariamente à Panificadora Saint-Germain, no Jardim Social, para comer sonhos de doce de leite, seu preferido. Às quintas, levava os colaboradores mais próximos ao Restaurante Schapieski, em São José dos Pinhais.
"A vida dele era feita dessas pequenas alegrias", diz Iracilda, que não poupa palavras para falar do patrão que se tornou para ela como um parente próximo. "Eu aprendi a admirá-lo. Dizia um sonoro bom dia. Era assim que começava o expediente", comenta sobre o homem muito alto 1,83m , olhos claros e, à primeira vista, com cara de poucos amigos.
"Ele era engraçado, divertido. Uma pena que muitos não notavam, deixando de se aproximar", acrescenta. Não era tudo. Conforme deixava transparecer, realizou-se profissionalmente. "Fiz tudo o que sonhei", declarou á reportagem da Gazeta do Povo. À frase inspirada, somou uma tirada. "Como está comprida essa entrevista. Falta muito para acabar?" Faltava, mas Lemanski era assim um homem avesso aos holofotes. Preferia ver o mundo de outro ponto de vista. E assim fez.