Dezessete quilômetros é a distância que separa Jaqueline de Almeida, 14 anos, da casa onde mora até a escola em que deverá estudar a partir do mês que vem. Além do longo trajeto, pelo caminho ela terá de passar pelo menos por uma rodovia de grande movimento, a BR-116. Para conseguir chegar ao colégio a tempo, o despertador terá de soar por volta das 5 horas da manhã. Ela terá 15 minutos para se arrumar. Deverá ainda caminhar umas cinco quadras para poder pegar o transporte escolar que precisa deixá-la no portão da escola às 7h30. A mãe de Jaqueline, Neide de Almeida, depois de fazer as contas, arregaçou as mangas e foi brigar pela filha. "Quando recebi a carta da escola dizendo que ela iria para outro lugar, não consegui mais dormir. Não vou desistir enquanto ela não estudar mais perto de casa", diz.A história de Jaqueline é semelhante à de muitos outros alunos que vão começar o primeiro ano do ensino médio em escola pública. Quando não há mais vagas perto de casa, os alunos são enviados para outras escolas, mesmo em bairros distantes. Fica a promessa de que eles terão transporte. "Também tenho medo disso. Uma hora tem van, outra não tem. Não quero correr esse risco", diz a mãe.
Como as aulas começam apenas em fevereiro, os conselhos tutelares das regionais de Curitiba ainda não conseguiram contabilizar quantos alunos estão enfrentando problema igual ao de Jaqueline os conselheiros precisam da negativa de vaga do colégio perto da residência para poder fazer a conta e ir atrás de uma solução. Mas só no bairro Fazendinha, por exemplo, pelo menos 150 crianças já informaram que estão nesta situação. A realidade também atinge os alunos que passaram da 4.ª para a 5.ª série do ensino fundamental, porque eles deixam a rede municipal de ensino para entrar na rede estadual.
Davi Alexandre Correia, 9 anos, estudava perto de casa e foi transferido para uma outra escola (agora da rede estadual, que atende de 5.ª a 8.ª séries) a três quilômetros de distância. "Não sei o que vou fazer. Minha filha estuda aqui perto e meu filho foi para outro bairro. Eu e minha esposa trabalhamos o dia todo e não temos tempo para levá-los. Por isso contamos com as crianças mais velhas eles se reúnem e vão em um grupinho para a escola. Mas como o Davi foi para outro lugar, estou sem alternativas", diz o pai, Rogério Munhoz Rodrigues.
Além da distância, alguns pais encontram dificuldades para conseguir conciliar a agenda do trabalho com os compromissos familiares. A avó Marcilia Alves, 73 anos, que toma conta de cinco crianças na Vila Osternack, está na mesma situação: quatro delas estudam perto de casa, mas Adriana Alves, 9 anos, foi transferida para uma escola a 3,9 quilômetros de distância. "Que horas vou ter de sair de casa para conseguir levar os quatro e mais ela? Não sei se vou aguentar andar tanto assim", diz a avó, que está com a tutela dos pequenos. Ela cuida das cinco crianças e ainda arranja tempo para trabalhar como carrinheira, catando material reciclável nas ruas de Curitiba.
A dificuldade para ter acesso à escola é um dos motivos que levam as crianças, principalmente de renda familiar mais baixa, a ficar em casa, aumentando a evasão escolar. Os próprios pais entrevistados dizem que deixarão o filho em casa se não encontrarem alternativas. Em 2008, um levantamento informal feito pela Gazeta do Povo mostrou que, na metade daquele ano, havia 1,2 mil crianças que ainda brigavam por uma vaga perto de casa. O maior problema estava no Bairro Novo, devido ao número extraordinário de moradores que migraram para lá: infelizmente, não houve, na mesma proporção, um aumento de vagas nas escolas da região.