De sol a sol
A recente perseguição às lideranças faxinalenses virou o estopim da bomba. De acordo com o coletivo Articulação Puxirão, dez comunidades no estado estão sendo pressionadas por grandes agricultores. Há também 15 líderes perseguidos pela pistolagem e um mártir, Antônio Novakoski, morto depois de levar um tiro no Faxinal do Emboque, em São Mateus do Sul.
É meio-dia. O ônibus escolar percorre a estrada de terra que começa na BR-116, próxima a Quitandinha, a 60 quilômetros de Curitiba, e termina no faxinal Salso. O veículo segue até as últimas casas, onde finalmente pára. Após a entrada de uma única criança, o motorista faz a volta e retorna. Uma nova parada é necessária para que mais um pequeno passageiro possa subir. E, assim, o ônibus segue, deixando para trás o ambiente bucólico de casas de madeira, araucárias e animais criados ali mesmo.
Nesse horário, as crianças, 12 ao todo, vão para a escola, mas grande parte dos 150 habitantes do faxinal permanece no local para trabalhar na lavoura e na criação de animais. Cada uma das 35 famílias faxinalenses possui seu próprio terreno, mas os animais e as plantações se confundem. A produção faxinalense atende o consumo interno da comunidade, mas também existe a preocupação de se criar um excedente, que é vendido para formar a renda das famílias.
A maioria repassa a tradição para os descendentes. Os sobrenomes não deixam mentir. "Todo mundo aqui é meio parente", conta Onorato Taborda Ferreira, 64 anos. O clima de solidariedade é notável. "Quando existe alguma emergência, um socorre o outro, com ajuda, com dinheiro, levando para o hospital quando está doente", conta Isidoro Taborda Collaço, 79 anos. Ivan Colaço Santos líder da comunidade confirma. "Não queremos ter limites entre uma propriedade e outra. Partilhamos o trabalho e o lucro é quase igual para todo mundo. Pudera as terras passassem de um faxinalense para outro. Se não for assim, corre o risco de a gente virar uma região de chácaras."
O problema não é só dos chacreiros que compraram terrenos de faxinalenses e não se adaptam ao sistema. Os próprios membros da comunidade aos poucos abandonam o criadouro, uma roça comunitária a cinco quilômetros da área onde ficam as casas. É o caso de um dos moradores mais antigos do faxinal, que recentemente cercou seu terreno, alegando que seus vizinhos não poderiam criar porcos em seu espaço. "O pessoal esquece o bem que a cultura faxinalense fez pelo meio ambiente", protesta Ivan, sobre a comunidade hoje à mercê dos agrotóxicos e da água poluída.
A situação que mais preocupa os faxinalenses é a constante evasão dos jovens, em busca por melhores condições financeiras. Mesmo os que permanecem no faxinal acabam trabalhando menos nas atividades da comunidade. Neri Taborda Ferreira, 21 anos, filho de Onorato, é um dos raros jovens que não se mandaram do Salso. Ele trabalha em uma chácara do próprio faxinal uma área cercada, com 11 alqueires. "Tentei explicar para o meu patrão como funciona o faxinal. Mas ele não consegue entender", lamenta.
Neri abandonou a escola e trabalha das 8 às 17h30. Recebe R$ 380, quase o dobro da média de renda das famílias faxinalenses. Apesar de não pensar em sair de Salso, seguindo a trajetória de quatro de seus cinco irmãos, diz que "sente falta de gente da mesma idade para conversar."
Embora não haja estatísticas, são raros os jovens que permanecem nos faxinais. A maioria vai mesmo para a cidade, engrossando a fileira dos aproximados 10 mil faxinalenses sem-terra e provavelmente sem-teto, hoje dispersos pelo estado depois de 20 anos de errância. A aposta dos líderes do movimento é que eles voltariam correndo para casa, se pudessem. Diante da situação de pobreza em que estão pais e irmãos, seriam mais uma boca.
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