Curitiba Muitos brasileiros têm recebido em sua caixa-postal um e-mail que faz lembrar os tempos do Plano Collor. O texto fala de um projeto de lei que estaria prestes a ser aprovado, "na surdina", pelo Congresso Nacional, estabelece uma forma de confisco nas cadernetas de poupança. Pelo que diz o autor anônimo da mensagem, a iniciativa teria sido uma maneira de o presidente Lula, então candidato à reeleição, obter o apoio do ex-presidente Collor. Àqueles que receberam o aviso e também aos que não o leram, mas ficaram curiosos com seu conteúdo, duas notícias: 1) o projeto existe; e 2) essa é uma das poucas informações verdadeiras na mensagem.
O Projeto de Lei 137/2004 é de autoria do deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI). Segundo o autor, o projeto serviria para limitar o consumismo, que para Fonteles seria a "forma social mais visível e mais perversa do egoísmo reinante no coração da sociedade capitalista contemporânea". De acordo com o petista, o consumo exagerado é uma das causas das grandes desigualdades socieconômicas do mundo.
Fonteles conta que o Limite Máximo de Consumo (LMC) serviria para repassar o excedente para a uma caderneta de poupança, a Poupança Fraterna, que seria usado para apoiar projetos sociais. "Seria um empréstimo com prazo para devolução. É uma maneira de educar as pessoas a consumirem", afirma Fonteles. As contas seriam abertas nos nomes dos "poupadores".
O empréstimo compulsório de que fala o deputado seria devolvido em parcelas mensais durante 14 anos, a contar da entrada em vigor da lei. A poupança seria gerida pelo Conselho Nacional de Poupança Fraterna. Representantes dos poupadores, de trabalhadores e empresários fariam parte do conselho. De acordo com Fonteles, cálculos preliminares indicam que "apenas" 150 mil pessoas teriam seus recursos confiscados temporariamente. "A proposta é parecida com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Em vez de repassar os 8% para o salário do trabalhador, o dinheiro é guardado no fundo e serve para financiar habitação. Mas o dinheiro é do trabalhador", diz Fonteles. O petista afirma que a proposta é dele e não do partido. "Teve gente contra no PT."
Disfarce
Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Caldas, o projeto é dúbio, pois fala da criação de uma poupança, mas "parece um imposto de renda disfarçado". "O Poder Legislativo não pode opinar sobre políticas públicas, que seria o caso da poupança, que cabe exclusivamente ao Poder Executivo. Os parlamentares podem prever a liberação de recursos e até autorizar o Executivo a realizar uma determinada obra dentro da dotação orçamentária. O Legislativo pode criar impostos", afirma Caldas.
Como qualquer proposta parlamentar, o Projeto de Lei 137/2004 tramita em uma das comissões da Câmara, no caso a Comissão de Finanças e Tributação (CFT). Na CFT, os demais deputados (de vários partidos) que integram a comissão puderam apresentar emendas ao projeto inicial. Um relator foi escolhido para dar o parecer final ao tema. O deputado paranaense Max Rosenmann (PMDB) foi o designado. "É uma idéia romântica do deputado. Na minha visão, não existe chance deste projeto ser aprovado", afirma Rosenmann. "Meu gabinete recebe em média 200 e-mails por dia, do Brasil inteiro, de pessoas com medo do projeto ser aprovado. Muitos pensam que eu sou o autor do projeto", revela. O deputado já deu parecer contrário à proposta. O relatório deve ser votado até o fim do ano na CFT. Caso o parecer seja aprovado, a proposta será arquivada.
Susto
Ao abrir sua caixa-postal eletrônica no computador, a dentista Sandra Mara Aubrift de Lara levou um susto. Um amigo havia passado a mensagem sobre o confisco do dinheiro na caderneta de poupança. Sandra diz que ficou com medo de ter o dinheiro guardado por anos ser retido pelo governo para ajudar projetos sociais. "Fiquei indignada quando li o e-mail. Me veio a cabeça o pânico causado na época do governo Collor. Fiquei com medo que se repetisse. Na época não fui tão afetada, mas pessoas próximas, sim", lembra.
O projetista paulista Paolo César Bassan também recebeu a mensagem sobre o confisco no período da eleição. Ele conta que foi checar a informação. Entrou na página da Câmara dos Deputados na internet e leu o projeto inteiro. "A internet é uma ferramenta maravilhosa, mas tem de tomar cuidado com as informações que recebe. Tem que saber filtrar. Li o projeto e percebi que as informações foram distorcidas. Que ali estavam meias-verdades. Fiquei tranqüilo em saber que ele deve ser arquivado", afirma Bassan.
Parte do conteúdo do e-mail é de um artigo publicado na página da internet da editoria Mídia Sem Máscara. Com a repercussão da mensagem, a editora colocou no site uma nota em esclarecimento que o artigo escrito por seu colunista, há mais de dois anos, gerou polêmica na internet e serviu para disseminar mensagens falsas e equivocadas.
"... analisando o teor de algumas das mensagens espalhadas pela internet que utilizaram o artigo deste MSM, é possível notar que o contexto no qual o artigo foi inserido está errado, pois afirma que a proposta do deputado Fonteles foi aprovada pelo Congresso."
Para Cláudio Leonardo Luchesi, professor do Instituto de Computação da Universidade de Campinas (Unicamp), o tipo de mensagem recebida por Sandra e milhares de brasileiros é um fenômeno mundial. "É a versão moderna da fofoca nas cidades do interior", conta Luchesi.
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