| Foto: Foto: André Rodrigues – Arte: Felipe Lima

Cresci ouvindo dizer que joaninhas dão sorte. Eu e a humanidade, pelo que me informaram. Uma das imagens mais poéticas é a de brutos e sábios, tolos e realistas, sem reservas, embasbacados diante da visão de um desses insetos pousados na palma da nossa mão. Sentindo-se agraciados, olhamos os desenhos da carcaça, como que diante de uma boa pintura. Em segredo, imaginamos que virá um grande amor ou um prêmio na loteria. Depois sopramos o bichinho para que siga seu destino. Ninguém os mata, como se faz com as baratas, as aranhas ou as formigas.

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Mas eis que, de uns tempos para cá, encontro joaninhas mortas num dos quartos do meu apartamento. Não passa semana sem que o réquiem se repita. Não sou supersticioso. Passo até debaixo de escadas. Só não dou mole mesmo é para chinelos virados, pois ninguém é de ferro. Lembro de um artigo do sociólogo da religião, Riolando Azzi, no qual afirma que as crendices brasileiras são resultado da expulsão dos jesuítas, em 1759. Sem padres a nos refinar a fé, passamos a acreditar na força de vassouras colocadas atrás da porta e outras bobagens. Virou um traço cultural.

Pela lógica, as finadas joaninhas habitam uma árvore próxima e são trazidas pelo vento. No começo, eu as recolhia do chão. Esperava que se mexessem, cumprindo a promessa que representam. Mas logo eram muitas, inertes, alinhadas sobre a mesa quais vítimas de uma chacina, tipo o 111 do Carandiru. Passei a jogá-las na grama – vai ver, era fome. Em vão. Restou a pergunta se não seria um mau presságio. Se joaninhas vivas simbolizam sorte, joaninhas mortas poderiam representar azar.

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Restou-me procurar o melhor remédio para o obscurantismo – a ciência. Foi assim que me vi diante da professora doutora Lúcia Massutti de Almeida, 61 anos, do Departamento de Zoologia da UFPR. Ela é das maiores especialistas do Brasil em joaninhas. Tem 80 artigos publicados sobre o assunto, uma pá de capítulos em livros e tudo mais. Orienta uma dezena de pesquisadores. É mulher bela, de sorriso aberto e unhas vermelhas.

À revelia dos rigores acadêmicos, seu gabinete no Centro Politécnico nada tem de sisudo. Na parede, um cartaz feito por uma criança diz: "Não matem as joaninhas". A mesa é repleta de incontáveis badulaques – chaveiros, relógios, porta-retratos, adesivos, todos com motivos de... joaninhas. São presentes trazidos de várias partes do mundo. Diante de qualquer suvenir com antenas e bolinhas coloridas, os amigos lembram de Lúcia, que não se intimida expor o que ganha junto com os equipamentos de taxonomia. Ambos fazem parte de seu acervo afetivo.

As joaninhas a escolheram. Há três décadas, cruzou nos corredores da UFPR com o padre Jesus Moure, mito da entomologia na América Latina. Ele lhe deu um trabalho sobre os coccinelideos e disse "é o que você devia estudar". Acatou. Daí em diante, mostrou-se atenta às maldades que os agrotóxicos causam às joaninhas e à possibilidade da criação de novas espécies, aumentando as 6 mil já catalogadas. Interessa-lhe também o significado desses insetos.

Conta-me que nos países escandinavos, assim como na França, são associados à Virgem Maria. Que os ingleses a chamam de ladybirds. E que pimpolhos americanos se fantasiam delas. Que nas zonas mais frias do mundo, comunidades inteiras de joaninhas se abrigam nos tetos, até surgir a primavera. Mostra-me fotos. Nunca as tinha visto aninhadas, formando uma colcha vermelha e preta. Com meus botões, pedi pelo meu querido Atlético Paranaense, que devia colocar uma joaninha na bandeira e nunca mais pastar na segunda divisão.

Mas me calo para não dizer besteira. É bom ouvir a douta Lúcia falando a um leigo que "joaninhas sempre são boas". Uma aula. Explica – são insetos predadores de pulgões que infestam as plantas, daí sua importância no combate às pragas. Uma bênção para agricultores, ainda que tantos as desprezem. Têm vida breve – 30, 40 dias. Como procurar sentidos é do meu ofício, entendo que as joaninhas estão salvando a árvore lá do prédio. Ao morrerem na minha janela pedem que eu não esqueça disso. Que fique aqui registrado, em saudosa memória.

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