Para as populações monoteístas, acreditar em um só Deus é algo natural, inquestionável. Mas a história mostra que nem sempre as religiões foram assim. Povos que cultuavam vários deuses e as suas divindades existiram desde os primórdios da humanidade e servem para mostrar que algo que hoje parece normal pode soar muito estranho para as religiões da Antiguidade. Os gregos tinham vários deuses e todos deveriam ser respeitados: Zeus era um ser supremo, assim como Afrodite ou Vênus, a deusa do amor. E o que dizer das figuras mitológicas dos celtas ou do próprio rio que para os índios brasileiros, assim como para os astecas e maias, era um ser sobrenatural que tinha até alma. "A história nos mostra que as religiões também influenciaram umas às outras e foram responsáveis por extinguir outras tantas. Ou seja, é algo determinado e não natural", explica o professor Pedro Paulo Funari, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Ele e outros 12 pesquisadores lançaram nesta semana o livro As Religiões que o Mundo Esqueceu, uma obra que foi feita para explicar o surgimento de determinadas crenças e lembrar de outras muito interessantes que já desapareceram.
Existem, por exemplo, algumas versões do próprio cristianismo que sumiram com o passar do tempo, principalmente na época das Cruzadas da Igreja de Roma. O bispo católico Arrio depois excomungado pregava o arianismo e chegou a questionar a divindade de Deus quando a Igreja começou a falar que Ele era "uno e trino", ou seja, é Pai, Filho e Espírito Santo. Os gnósticos acreditavam em um mundo espiritual em que Jesus não poderia ter sido homem porque era inaceitável que ele tivesse sofrido e sido morto na cruz. Os albigenses, também do cristianismo, valorizavam o que Cristo havia feito e que a ressurreição e a salvação da alma poderiam ser alcançadas sem o intermédio da Igreja. O resultado de todas as seitas foi o mesmo, elas foram consideradas uma heresia.
Adaptações
O livro traz ainda a história das religiões que tinham características bem diferentes do atual monoteísmo. Astecas e maias (do México) e índios brasileiros diziam que os rios tinham alma e eram personagens mitológicos. "Quando a evangelização chegou à América, foi preciso adaptar determinadas crenças. No Brasil, por exemplo, no lugar onde os índios faziam seus cultos foram construídas as igrejas. É uma das maneiras de reprimir e depois fazer com que uma religião desapareça", explica Funari. Mas estes povos também contribuíram com o cristianismo. Como eles tinham o costume de cultuar os mortos, a festa acabou sendo incorporada na religião cristã: hoje a Igreja Católica comemora o dia dos Finados.
As religiões europeias também foram pesquisadas principalmente a dos celtas e dos vikings. "Os celtas faziam sacrifícios e cultos em torno das árvores e acreditavam em poderes miraculosos. Temos isso bem exemplificado no desenho Asterix e a poção mágica", comenta Funari. A religião dos vikings era baseada em deuses que são guerreiros e fazia uma homenagem ao deus Thor, que mais tarde acabou sendo homenageado pelos americanos, que adaptaram o nome dele a um dos dias da semana, thursday (quinta-feira).
Há ainda os persas, que tinham características que foram adotadas pelo cristianismo: o zoroastrismo criou o Bem e o Mal e isso foi incorporado na forma de Deus e demônio.
Funari explica que não há como saber qual foi a primeira religião do mundo, mas fala que boa parte das gravuras e pinturas rupestres mostra cerimônias religiosas em que aparece uma pessoa no meio (certamente um feiticeiro) e outras dançando em volta. "Tem ainda figuras de animais que são caçados, provavelmente eram pintados com a crença da força sobrenatural uma espécie de vudu, onde você desenha o animal caçado para ter forças para conseguir exatamente isso", diz o pesquisador.
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O que era cada uma
Veja abaixo um resumo das principais correntes religiosas citadas no livro As Religiões que o Mundo Esqueceu.
Egípcia
Era obcecada pela perpetuação da alma.
Sumérios
Criaram as primeiras histórias sobre o dilúvio.
Mesopotâmia
Havia a "prostituição" sagrada, onde uma mulher ou um homem ficava no templo dedicado àquela divindade: os crentes poderiam ter relações sexuais com ele ou ela.
Grécia
Os gregos tinham a fertilidade como algo sagrado e, portanto, deveria ser cultuada. Por isso a sexualidade era valorizada.
Maias
Criaram um calendário religioso a partir da observação dos astros e com cálculos matemáticos complexos. Os egípcios são similares aos maias neste caso, quando começaram a construir as pirâmides.
Versões do cristianismo que desapareceram
Gnosticismo
Acreditava apenas no mundo espiritual e enfatizava que Deus (Jesus) não poderia ter sido um homem, porque não se admite que ele tenha sofrido.
Albigienses
Seita medieval que foi considerada uma heresia, porque valorizava os feitos de Cristo, como a ressurreição, que era algo conquistado independentemente da Igreja, assim como a salvação da alma.
Zoroastrismo
É do povo persa e tinha como característica principal a concepção religiosa dualista, que separa o Bem do Mal.