Quem dera Jaqueline Oliveira pudesse contar com a ajuda de mãe, pai, irmãos, sogra, tias ou de qualquer pessoa disposta a auxiliá-la na loucura que a sua vida se transformou desde que nasceram Laura e Lucas, em novembro do ano passado, em Santos, no Litoral paulista.
Quando descobriu estar grávida de gêmeos, já com outros dois filhos para criar - Paulo Guilherme, de 9 anos, e Gabrielly, de 5 - a dona de casa de 25 anos sabia que o desafio seria grande, mas não imaginava que uma das crianças acabaria vítima da até então desconhecida epidemia de microcefalia.
O caso intrigou a mídia e até a comunidade científica. Laura nasceu com 26 centímetros de perímetro cefálico, oito a menos do que Lucas. O que poderia explicar que um dos bebês tivesse nascido com a má-formação e o outro não? A infecção pelo zika vírus seria, então, capaz de afetar de formas diferentes o desenvolvimento de cada feto? Laura e Lucas foram tema de dezenas de reportagens, e vêm sendo alvo de estudos de um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP).
Enquanto especialistas tentavam desvendar o mistério, o que Jaqueline se perguntava era como daria conta, com pouco dinheiro e sem parentes próximos, de criar quatro filhos, um deles com necessidades especiais. Chegou a se revoltar com a vida e questionar os motivos da filha estar passando por isso.
“Durante a gravidez, quando eu pensava em ter gêmeos, pensava em um casal por igual. Agora, quando vejo um com a cabeça grande e a outra com a cabeça pequena, não tenho nem mais aquela alegria de tirar foto dos dois juntos”, disse em sua primeira entrevista à reportagem, em janeiro, quando as crianças não tinham nem completado dois meses.
O desânimo com a situação da filha foi passando, mas a falta de assistência adequada à menina passou a ficar mais evidente. Buscar tratamento para Laura tornou-se o principal objetivo da vida de Jaqueline. Com quase quatro meses de idade, a bebê conseguiu uma vaga na Casa de Esperança de Santos, instituição filantrópica conveniada com o SUS onde ela iniciou fisioterapia, fonoaudiologia e exercícios no grupo de estimulação precoce. Naquele mês, março de 2016, embora todas as atenções estivessem voltadas para o surto da má-formação no Nordeste, a entidade de Santos já atendia 9 crianças com microcefalia na Baixada Santista. Hoje, já são 18.
Mesmo morando em Santos, uma cidade com desenvolvimento e estrutura superiores aos municípios do interior de Pernambuco, Jaqueline não deixou de sofrer com o desamparo. A conquista da vaga para o tratamento de Laura, por exemplo, trouxe também uma preocupação: com quem deixar Lucas e os outros dois filhos pequenos durante as consultas e sessões de reabilitação da menina?
O marido de Jaqueline e pai das crianças, o gesseiro José Maria Rodrigues, de 32 anos, fica fora de casa das 6h às 18h30.
“Quando consegue, ele troca fralda, dá mamadeira, cuida das crianças, mas, durante o dia, não tem como, ele tem que trabalhar, é a única renda que a gente tem”, conta Jaqueline. O salário de R$ 2 mil de José sustenta de forma apertada as seis pessoas da família. Só com o aluguel, o casal gasta R$ 800.
Até os seis meses dos gêmeos, Jaqueline ainda contou com a ajuda da mãe para cuidar de Lucas, mas, passado esse período, ela ficou sozinha.
“As pessoas têm a sua vida, né? Cada um tem suas obrigações, seus problemas. Eu recebo bastante visita, doação, mas no dia a dia, sou só eu mesma para cuidar deles. Eu e Deus”, resume.
Em maio, quando a reportagem esteve em Santos pela segunda vez, Jaqueline já tinha procurado a prefeitura para tentar conseguir uma vaga em creche para Lucas, mas, sem disponibilidade, o menino entrou na fila de espera.
“Ela vivia para chorar”
Sem a mãe para ajudar, Jaqueline passou a pagar uma vizinha para cuidar de Lucas duas vezes por semana, nos dias do tratamento de Laura. Eram R$ 200 a menos no orçamento já estreito. Cuidar dos dois bebês sozinha era difícil até mesmo quando a dona de casa não saía. Aos seis meses, o menino ainda mamava e já estava ativo, querendo se arrastar e mexer nos objetos. Laura, no seu tempo, precisava de cuidados constantes, agravados pelos quadros de espasmos e irritabilidade constante, característicos da microcefalia.
“Ela chorava o dia inteiro. Dava muita dó porque ela ficava até cansada, ia para as terapias e não conseguia nem participar dos exercícios”, conta a mãe.
Foi quando o médico que atende a menina prescreveu o diazepam, medicamento com efeito calmante. Assim como Laura, muita das crianças vítimas da síndrome congênita do zika têm de ser medicadas com remédios tarja preta.
“Tem mãe que não quer dar, fica achando que o bebê vai ficar sedado, mas para a Laura ajudou muito. Ela só vivia para chorar. Agora ela fica mais calma e responde bem às atividades”, afirma Jaqueline.
Ao iniciar o tratamento de estimulação, a meta definida para Laura era ter ganhos que, para bebês saudáveis, pareceriam triviais.
Nos exercícios do grupo de estimulação precoce, por exemplo, o corpo da menina era coberto por tecidos e retalhos de texturas e cores diferentes. Isso porque a microcefalia também compromete as funções sensoriais, fazendo com que algumas crianças se incomodem até quando são tocadas ou colocadas no colo de alguém.
Já no atendimento com a fisioterapeuta, o objetivo inicial era ganhar o controle cervical. Em um dos exercícios realizados, Laura era colocada na posição de gatinho e a profissional passava a tentar chamar a atenção dela com brinquedos e ruídos. O objetivo era que, com o estímulo, ela conseguisse levantar a cabeça para olhar para frente. Aos cinco meses, a bebê mantinha essa posição por apenas poucos segundos.
O tratamento ao longo dos meses possibilitou que, hoje, Laura tenha controle cervical e força para se apoiar nos braços quando está de bruços. O fortalecimento das pernas também vem sendo trabalhado com o auxílio de uma órtese para os pés.
Paciência
A lentidão no aparecimento dos resultados às vezes desanima Jaqueline. As terapeutas explicam para a mãe que é preciso ter paciência.
“A gente fica agoniada querendo saber se ela vai conseguir engatinhar, se vai conseguir andar, ainda mais para mim, que tenho outro exatamente da mesma idade em casa e já está dando os primeiros passinhos”, diz Jaqueline. “É uma vida de altos e baixos. Tem dia que a gente está meio desanimada e tem dia que tem certeza que vai dar tudo certo.”
O desânimo fica mais evidente quando Jaqueline pensa na assistência que gostaria de ter e não teve. A vaga na creche para o Lucas só saiu no final de setembro, quando o menino já estava com dez meses - ou seja, quatro meses depois de Jaqueline entrar com o pedido.
Além disso, a família não conseguiu ser contemplada pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) para crianças com deficiência porque a renda per capita familiar é um pouco superior à máxima exigida pelo programa.
“Mas me diz quem consegue viver no estado de São Paulo com R$ 2 mil para seis pessoas?”, revolta-se a mãe.
Depois de um ano do nascimento dos gêmeos, Jaqueline teve certeza que, no final, é ela quem tem de se virar em mil para dar à Laura a possibilidade de evoluir dentro dos seus limites. A dona de casa, que nunca tinha sentado ao volante, até aprendeu a dirigir para poder levar Laura para as terapias, Lucas para a creche, Gabrielly e Paulo para a escola, sem deixar nenhum deles sozinho.
O carro foi comprado com uma carta de crédito de um consórcio feito em 2011 pelo casal com o objetivo de, um dia, conseguir comprar a tão sonhada casa própria. Um sonho que ficou muito menor diante da vontade dos pais de dar à filha uma vida melhor.