Não é mais lenda. No bairro Mercês, em Curitiba, existiram túneis "secretos" que tinham, inclusive, fogão a lenha e prateleiras feitas de tijolos. A prova da verdade são as fotos do professor e arquiteto Key Imaguire e do irmão dele, José Fernando Imaguire. Elas foram tiradas em 1962 e estavam guardadas até então. As imagens são, atualmente, a única prova concreta de que Curitiba teve túneis, pelo menos nas Mercês. Resta agora saber qual era a finalidade deles. E para isso, histórias (sem comprovação alguma) não faltam.
O professor Key Imaguire, da Universidade Federal do Paraná, acredita em uma hipótese que seria a mais aceitável: a de que doentes leprosos fizeram o túnel para se esconder de uma possível perseguição. Na História do Paraná não há registros de que pessoas com hanseníase foram perseguidas a ponto de terem de fugir. O fato de ter existido, na região, um hospital de leprosos, porém, faz com que a teoria de Key possa estar certa. "No local onde estava o alçapão que dava acesso ao túnel, havia uma casa de madeira que era ocupada por doentes infectados. Quando fui ao local com meu irmão para fazermos as fotos, a residência estava destruída. Mas o túnel continuava lá, mesmo que interrompido depois de uns poucos metros", diz. O túnel teria sido conservado até 1926, segundo Key. Depois disso, o hospital foi transferido para Piraquara e o local teria ficado sem utilidade alguma.
A técnica construtiva usada no túnel impressionou o arquiteto. As paredes e o teto eram feitos de tijolo maciço. Todo o teto acompanhava o formato de abóbadas (parecido com o do reservatório de água São Francisco), o que comprova que quem construiu sabia o que estava fazendo. "Se o teto fosse reto não aguentaria a pressão da terra e desmoronaria", explica Key. Para ter acesso ao túnel era preciso entrar no que era o porão da casa de madeira. Key conta que, logo depois de abrir o alçapão, apareciam as escadas que davam acesso à passagem estreita. Andando pouco mais de dois metros, ele chegou a uma sala maior onde era possível ficar em pé. Ali foram encontradas espécies de prateleiras e o que parecia ser um fogão a lenha. No pátio da casa, na época, havia uma chaminé que dava a impressão de estar plantada na terra. Ela deveria ser deste fogão, mas foi cimentada com o passar dos anos.
Logo depois da sala subterrânea havia mais um pedaço pequeno de corredor e uma parede de tijolos que Key lembra ser muito mais nova que o resto do túnel. "Provavelmente esta parede foi feita para fechar a passagem que, até hoje, não se sabe para onde iria", diz. A sala subterrânea (que tinha cerca de 3x5 metros) poderia ser um local para ser usado como moradia em caso de emergência. A entrada do túnel estaria nas proximidades do que hoje é a Rua Roberto Barrozo, quase esquina com a Jacarezinho.
O morador Walter Mazurik, que vive há 40 anos próximo do Bosque Gutierrez, afirma ter brincado, quando criança, no túnel fotografado. "Descíamos um corredor e chegávamos a uma sala maior. Mas íamos lá só para brincar e assustar os amigos. Não me lembro dos detalhes." Ele afirma que chegou a ter contato com o antigo proprietário do terreno onde estaria o alçapão. "Há uns dez anos ele fez, do início do túnel, uma adega, porque lá era gelado. Mas acho que hoje não existe mais nada", diz.
Lendas
Outras suposições sobre a origem dos túneis das Mercês envolvem histórias macabras e até bizarras elas também não têm nenhuma comprovação científica. Uma delas é a crença de que no final do túnel haveria um crematório que era usado pelo pessoal do hospital para incinerar os corpos dos que morreram de hanseníase. Para que os corpos infectados não fossem transportados pela cidade (infectando os outros), eles iriam pelos túneis. Há ainda quem acredite que os jesuítas em uma breve passagem por Curitiba teriam feito os túneis para poder circular por Curitiba sem serem vistos. Key elimina totalmente esta versão porque ele diz que os jesuítas nunca chegaram a Curitiba e foram expulsos do Brasil por volta de 1759. Como os jesuítas tinham uma técnica apurada para fazer túneis (deixaram vestígios em outros países latinoamericanos), acredita-se que todo túnel construído era deles.
O professor também não dá créditos para a possibilidade de os túneis terem sido feitos por imigrantes alemães, italianos ou outros povos perseguidos durante a Segunda Guerra Mundial, porque as perseguições aconteceram de maneira inesperada, o que impossibilitaria um planejamento com tempo para a construção de um túnel de tamanha complexidade.
Para pesquisadores que estudaram os leprosários de Curitiba, a história dos túneis também soa estranha, pois os doentes que ficaram na região das Mercês normalmente estavam em estado terminal, por isso não teriam forças para fazer tais construções. "É difícil investigar, porque a maioria do pessoal que viveu esta época já morreu", admite Key. Resta saber se alguém se atreveria a escavar o bairro Mercês em busca de mais vestígios é óbvio que, para isso, seria necessário destruir muitas quadras e, talvez, em vão. O caminho dos túneis provavelmente está soterrado por causa das intervenções urbanas. Restam apenas as fotos.
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Interatividade
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