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Vista da região em que será criado o lago de Mauá. Água deve chegar até o limite das árvores, no lado esquerdo da foto | Josue Teixeira/Gazeta do Povo
Vista da região em que será criado o lago de Mauá. Água deve chegar até o limite das árvores, no lado esquerdo da foto| Foto: Josue Teixeira/Gazeta do Povo

142 famílias foram reassentadas

O agricultor Sidnei Oliveira Schneider, 56 anos, e a esposa dele, Nadilena, 54 anos, moraram na beira do Rio Tibagi durante a maior parte de suas vidas. Viviam em uma pequena casa de madeira em uma área de 2,6 mil metros quadrados. Em setembro, suas vidas mudaram. Como o local em que residiam será alagado para a construção da usina, eles foram reassentados pelo consórcio para uma área rural distante 14 quilômetros de Ortigueira. Eles fazem parte de um total de 142 famílias que terão suas atividades econômicas inviabilizadas devido ao enchimento do reservatório da hidrelétrica.

Hoje a área comprada pelo consórcio para a família de Sidnei morar é de 10 alqueires, o que representa cerca de 242 mil metros quadrados. "A propriedade aqui é muito maior. Dá mais trabalho até para cuidar. Mas, de um modo geral, a situação melhorou. Nossa casa é de tijolo, tem mais estrutura", conta o agricultor. A esposa Nadilena se pergunta como os dois netos, que moram com os avós, terão acesso à escola. "Não temos transporte público perto. Quan­­do a gente precisa ir ao mercado, temos de ir com o nosso carro", diz.

A assistente social do consórcio, Jaqueline Wolski, promete que essa questão será resolvida junto com a prefeitura de Orti­­gueira. "Além disso, temos um grupo que vai orientar os produtores a como melhor aproveitar as novas áreas", afirma. Segundo ela, 389 famílias serão afetadas com a usina. "No entanto, apenas essas 142 é que terão a atividade comercial inviabilizada e por isso foram reassentadas. As demais perderão alguns me­­tros quadrados de terra e vão receber uma compensação fi­­nanceira por isso", explica.

Para Robson Formica, coordenador estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens, é necessário que as famílias afetadas com a construção da usina tenham os prejuízos minimizados. "Temos de estar atentos a como se dará essa realocação. Cerca de 70% das famílias atingidas por barragens têm suas vidas prejudicadas. Isso acaba não trazendo progresso para a comunidade", ressalta.

Trabalhadores

Outros trabalhadores que atuavam na localidade também serão indenizados pelo consórcio. A estimativa é de que 26 pescadores, 120 garimpeiros, 135 mineradores e 300 apicultores sejam ressarcidos financeiramente. Os apicultores que atuavam no local do enchimento do reservatório, por exemplo, receberam R$ 1.040 por caixa de abelha. Com esse valor, eles devem arcar com a mudança do local de trabalho.

Capacidade energética

A Usina de Mauá terá capacidade de gerar uma potência de 361 MW – energia capaz de atender ao consumo de aproximadamente 1 milhão de pessoas. Segundo o Balanço Energético Nacional do ano passado, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia, a capacidade instalada das centrais de geração de energia elétrica do Brasil alcançou um total de 113.327 MW. Ou seja, Mauá, com investimento orçado em R$ 1,2 bilhão, representará 0,3% da energia produzida no país.

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  • O casal de agricultores Sidnei Oliveira Schneider e Nadilena: atividades econômicas inviabilizadas pelo enchimento do reservatório

O Rio Tibagi nunca mais será o mesmo. Em uma parte de seus 550 quilômetros de extensão, as águas do segundo maior rio do Paraná se deparam com um paredão de concreto de 745 metros de comprimento e 85 metros de altura. Dois túneis são responsáveis pelo desvio para abastecer o restante do curso d’água. A área antes tomada pelo verde das florestas deu lugar a um espaço descampado, cercado de restos de construção e terra revirada. A causa está na construção da Usina Hidrelétrica de Mauá, entre as cidades de Telêmaco Borba e Ortigueira.

Quase 800 operários trabalham diariamente para finalizar as obras da barragem. Em breve, a paisagem será novamente alterada. Entre os meses de abril e maio está previsto o enchimento do reservatório da hidrelétrica. O que hoje é coberto por uma vegetação rasa, cortada por estradas de chão e pedaços de concreto espalhados pelo solo, dará lugar a um lago que tomará conta de 8,4 mil hectares, o que equivale a aproximadamente 8,4 mil campos de futebol. Desse espaço, 4,8 mil hectares pertenciam às florestas que vão, literalmente, por água abaixo – dos quais 2,8 mil correspondiam à floresta nativa e 2 mil à mata plantada. O restante pertencia a áreas de pastagens e plantações.

Duas pendências ainda precisam ser resolvidas para o consórcio Cruzeiro do Sul, responsável pela hidrelétrica, ter a licença de operação em mãos e fechar os dois túneis de passagem do Rio Tibagi, o que dará início ao enchimento da área. A primeira delas é a retirada completa de material orgânico que foi enterrado na área onde será realizado o alagamento. No ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) constatou que o consórcio estava enterrando toras de madeira e galhos na localidade. O Instituto Ambiental do Paraná acatou o pedido do MPF e suspendeu essa prática.

Arqueologia

Outra questão diz respeito aos quase 100 sítios arqueológicos existentes na área da usina. Restam aproximadamente 25 sítios a serem vistoriados e terem o material histórico e cultural resgatado. "Nesses próximos meses, a frente de trabalho mais pesada se dará nesses dois pontos. Assim poderemos fechar os túneis de passagem do rio", afirma o superintendente geral do consórcio, Sérgio Lamy. A expectativa é de que em julho já tenha se formado o lago para a usina entrar em operação.

No entanto, o procurador da República João Akira Omoto, do MPF, não acredita que os prazos estipulados pelo consórcio sejam cumpridos. "Ainda há pendências na questão dos sítios arqueológicos. Além disso, têm de ser definidas as compensações pelo corte da vegetação, que acarreta em perda da biodiversidade da fauna", ressalta. A área desmatada para a construção da usina estava situada na quarta maior faixa contínua de floresta nativa do Paraná.

O procurador afirma que até o fim deste mês uma equipe do MPF e do Instituto do Patrimônio His­­tórico e Artístico Nacional irá até a usina para vistoriar os trabalhos de resgate dos sítios arqueológicos. "São muitos sítios a serem avaliados. Não podemos ser negligentes com essa questão", diz Lamy.

Biólogo aponta perda ambiental

A Usina de Mauá é alvo de polêmicas desde o anúncio de sua construção. A obra chegou a ficar embargada por oito meses devido a decisões judiciais envolvendo contestações do licenciamento ambiental. A licença de instalação saiu em 2008, três anos depois de a licença prévia ter sido concedida. Para o biólogo Marcelo Arasaki, da organização não governamental Meio Ambiente Equili­­brado, os prejuí­­zos ambientais dificilmente serão recuperados. "Essa área era especial, mas já foram suprimidos mais de 4 mil hectares de mata. A perda da biodiversidade é imensa. E sabemos que existem outras formas de gerar energia elétrica que não degradam tanto a natureza", afirma.

Segundo o assessor jurídico da Liga Ambiental, Rafael Filipini, o que foi destruído terá de existir em outro local. "Te­­mos que ser razoáveis e a empresa terá de fazer essa compensação ambiental", enfatiza.

O superintendente do consórcio, Sérgio Lamy, afirma que aproximadamente R$ 120 mi­­lhões serão investidos em projetos ambientais. "Toda ação do homem causa prejuízos à natureza. Mas nós temos essa responsabilidade e compromisso de arcar com a compensação ambiental", diz.

Apesar de árvores consideradas centenárias terem sido derrubadas – como pinheiros e perobas –, Lamy afirma que foram recuperadas sementes para o replantio das espécies nas margens do lago, na área de preservação permanente (APP). Segundo ele, a APP em torno do lago da usina terá 4 mil hectares em 410 quilômetros de extensão. "É uma área em que serão plantadas as árvores cultivadas no nosso horto e que será preservada pelo consórcio", explica.

Até o fim do ano passado, foram resgatadas 121.767 árvores pertencentes a 264 espécies. Também foram recuperados 2.920 animais terrestres, atendidos no centro de triagem mantido pelo consórcio. "Os que têm condições voltam para as florestas e os que não têm são encaminhados a zoológicos", explica Lamy.

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