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Entrevista

O papel da genética contra o câncer

“Genética não é destino, é risco. Ter um gene de predisposição ao câncer não é certeza de que a pessoa vai ter a doença.” | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
“Genética não é destino, é risco. Ter um gene de predisposição ao câncer não é certeza de que a pessoa vai ter a doença.” (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)

O diagnóstico de câncer assusta. Por isso, o médico oncogeneticista José Claudio Casali faz questão de assinalar: saber de antemão as chances que uma pessoa tem de de­­senvolver a doença pode ajudar muito na eficácia do tratamento.Medidas simples, co­­mo ficar atento ao histórico familiar da doença e manter hábitos saudáveis, são formas de protelar ou mesmo evitar que o problema apareça. Em entrevista, Casali explica qual o papel da hereditariedade nos casos de câncer, esclarece quais as chances de uma pessoa reverter uma predisposição genética à doença e quais as recomendações para quem pretende investigar se tem ou não chances de desenvolver um determinado tipo de câncer.

Qual o papel da genética nos casos de câncer?

O câncer é uma doença genética. Então o necessário é diferenciá-lo dos problemas hereditários. O primeiro caso acontece quando uma célula normal sofre mutações genéticas, se multiplica e desencadeia uma doença. Isso pode acontecer por processos causados pelos hábitos de vida, como fumar e ser sedentário, ou pelo envelhecimento natural das células e dar origem a tumores esporádicos. Já uma doença hereditária é aquela transmitida de pais para filhos, por herança genética.

Todo câncer é hereditário?

Não, pelo contrário. O Brasil tem cerca de 500 mil casos de câncer por ano e 50 mil são hereditários, ou seja, apenas 10% dos casos de câncer são relacionados com uma incidência recorrente na família. No restante, são tumores esporádicos, que acontecem em pessoas acima dos 50 anos e sem histórico familiar, ligados a hábitos de vida ou a alterações genéticas específicas daquela pessoa, não da família.

Ocorrem repetições de casos de câncer em diferentes gerações?

Sim, podem se repetir os tipos de tu­­mor ou as causas de problemas diferentes. Isso acontece porque a pessoa nasce com uma predisposição genética, causada por uma al­­­te­­­­­ração no DNA, que resulta no cân­­­cer e que é passado de geração em ge­­ração, mas não significa que a pes­soa com certeza terá a doença.

Há chances de reverter uma predisposição genética?

Sim e não. O fator genético tem um peso grande na balança, mas outras características também influenciam. Uma pessoa que não têm predisposição genética, mas é sedentária, fuma, não pratica exercícios, se alimenta mal e vive estressada também têm grandes chances de ter câncer, enquanto outra que tem essa alteração genética, mas se cuida, pode retardar o aparecimento ou mesmo evitar o problema. Mesmo assim, há pessoas com hábitos excelentes e que têm câncer, então não é possível prever com certeza quem vai ter ou não a doença.

Há cânceres mais associados a fatores hereditários que outros?

Os mais comuns são câncer de mama e de intestino, mas a doença nem sempre está relacionada com uma grande incidência de casos na família. Uma pessoa que teve câncer antes dos 40 anos, inclusive se foi na infância, mesmo que não tenha histórico da doença na família, precisa ser investigada porque pode antever uma alteração que ainda não se manifestou nos seus pais ou ser a primeira a ter e transmitir essa alteração para seus filhos. Da mesma forma, pessoas que tiveram mais de um tumor na vida precisam de atenção especial.

Há cânceres com pouca ou sem relação de hereditariedade?

Sim. O câncer de pulmão, por exemplo, é quase totalmente associado ao cigarro, então está ligado a um mau hábito, não a uma alteração genética. Pessoas fumantes ou fumantes passivos são as principais vítimas. Se seu pai e seu avô morreram de câncer de pulmão devido ao cigarro, não vão passar predisposição genética ao problema para você. De maneira parecida, o câncer de colo de útero é causado pelo HPV e não causa alterações genéticas que sejam passadas entre as gerações.

A relação de hereditariedade é direta: se a mãe teve câncer, todas as suas filhas também terão?

Se só a mãe teve câncer de mama, as filhas terão mais riscos da doença que outra mulher que não tem uma história na família, mas não chega a ser assustador, porque o cálculo é proporcional. Só histórias repetidas realmente exigem uma investigação aprofundada.

Como descobrir que se pode ter um determinado tipo de câncer?

O principal é não ter medo, procurar um geneticista ou um oncogeneticista, explicar sua história e qual a frequência de incidência de câncer na família e, se necessário, fazer uma investigação a partir do DNA para descobrir se tem essa predisposição genética. Na rede pública, esses exames ainda são feitos de maneira tímida, somente a partir de projetos de pesquisa, mas na rede particular já há laboratórios especializados. Há a expectativa de oferecer esse serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital Erasto Gaertner no ano que vem, mas ainda não está confirmado.

Por que é importante descobrir essa predisposição?

Principalmente pela possibilidades de prevenção. Ao saber que você pode ter câncer, o médico pode propor ações de prevenção individualizada, pedir exames mais regulares, específicos para identificar o tipo de tumor que você pode ter, e controlar mais de perto o aparecimento do problema. Isso é delicado e receber o resultado de um teste de DNA dizendo que você pode ter câncer não é simples, mas é importante. Se uma adolescente sabe que pode ter câncer, tem a opção de começar a fazer mamografias mais cedo e, em casos mais extremos, fazer uma mastectomia para evitar que a doença apareça.

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