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O Paraná que os brasileiros ignoram

Paulo Leminski foi o escritor mais lembrado na pesquisa, mas por apenas 0,4% dos entrevistados | André Rodrigues/ Gazeta do Povo
Paulo Leminski foi o escritor mais lembrado na pesquisa, mas por apenas 0,4% dos entrevistados (Foto: André Rodrigues/ Gazeta do Povo)
As Cataratas do Iguaçu foram o ponto turístico mais lembrado: beleza indescritível |

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As Cataratas do Iguaçu foram o ponto turístico mais lembrado: beleza indescritível

O escritor Jamil Snege (1939-2003) estava enganado. Para tornar-se invisível em Curitiba não é preciso "andar por essas manhãs de muita neblina", tampouco "ter um talento genuíno." Basta existir. Para o azar de quem vive na capital mais fria do Brasil ou em uma das outras 398 cidades do estado, 43,7% das pessoas não sabem em que região do país fica o Paraná. Pior: 49,6% não têm ideia de que a capital é Curitiba.

Os dados são do instituto Paraná Pesquisas, que ouviu 2.550 pessoas maiores de 16 anos em 177 cidades de todas as regiões do Brasil entre 24 e 30 de junho de 2013. Se a cultura de um povo é seu cartão de visitas, também vamos mal: 96% dos entrevistados não souberam citar o nome de algum músico ou banda do estado – pobres Belarmino e Gabriela. Em relação a escritores, 99,1% não se lembraram de um só autor nascido por essas paragens.

As explicações passam pelo tamanho do país, pelo fato de o Paraná ser um estado relativamente novo, e principalmente pela ausência de identidade, catalisada historicamente pela algazarra étnica dos povos que construíram aqui suas casinhas com lambrequins. Em Curitiba, a dispersão das colônias é um bom exemplo. "Os italianos do Água Verde não se davam com os poloneses do Abranches. Entre diversas etnias, houve ‘guerras’ épicas. Por isso é difícil termos um produto consolidado disso tudo, um povo que pense da mesma forma", explica Gehad Hajar, escritor e membro do Núcleo de Pesquisas dos Processos Identitários da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Contra a crise de identidade de algo que ainda está em "formação", a lição de casa é o apoio ao que é local. "Não valorizamos o que é nosso. Tirar o petit-pavé da calçada e colocar um pedaço de concreto é a prova cabal de que o Paraná não compartilha de sua própria história", brada Hajar.

E parece que só quem vê de fora reconhece: morar em uma cidade do estado é "melhor" do que se estabelecer em outra região do Brasil para boa parte dos entrevistados (35,8%).

O tempo passa...

Bamerindus, Batavo, Prosdócimo, Móveis Cimo, Matte Leão. É tudo história. A ausência de marcas paranaenses conhecidas fora do estado, seja porque faliram ou porque foram vendidas, é um aditivo na fórmula do invisível. Segundo a pesquisa, 87% das pessoas não souberam citar uma empresa ou produto feito por aqui. A marca mais lembrada foi O Boticário, com 1,2%. "A falta de representatividade ajuda a piorar a percepção", diz o professor de Ciências Políticas da UFPR Ricardo Oliveira, para quem o buraco é mais embaixo. "Há um desconhecimento sobre geografia e cultura geral que denota o problema crônico de educação básica no país."

Deve ter sido por essas e outras que Paulo Leminski – lembrado por apenas 0,4% dos entrevistados como um escritor paranaense, mesmo com o sucesso da coletânea Toda Poesia – um dia escreveu: "Cuidado, inveja é pecado/ e Deus castiga/ Na próxima encarnação/ Vais nascer em Curitiba."

Resultado do estudo é realista, mas não pode ser supervalorizado

Desde maio do ano passado a revista Helena – publicação trimestral da Secretaria da Cultura do Paraná –, divulga as manifestações culturais do estado e "redescobre" suas diversas regiões. O jornalista Omar Godoy, editor do suplemento cujo nome homenageia a poeta Helena Kolody (1912-2004), não se descabela com os dados da pesquisa. "Não é um pecado tão grande. Poucos estados têm uma visibilidade maior", relativiza.

A desconexão entre Curi­tiba e o interior é outro nó. "Se o Paraná não se conhece, como vamos querer que todo mundo nos conheça?", provoca. Um dado que comprova a tese é a demora na ligação entre Curitiba e Londrina, só consolidada com a inauguração da Rodovia do Café, na década de 60.

Nem ele

Ganhador dos prêmios mais importantes da literatura nacional com seu livro Filho Eterno (2007), o escritor Cristóvão Tezza – nascido em Santa Catarina, mas curitibano de falar "vina" e "penal" – não foi nem sequer citado pelos entrevistados. "No país, o número de leitores é insignificante. A pesquisa é um reflexo realista, mas não pode ser supervalorizada", alerta ele, que também é colunista da Gazeta do Povo.

Além de "jovem", Tezza afirma que o Paraná é ainda "bruto", um estado em processo de construção. Por isso o estudo, que "daria no mesmo se fosse feito em outro estado", não o preocupa. "Às vezes nos perguntam qual é a capital do Amapá e ficamos meio perdidos, não é?"

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