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Conflito bélico

O Pearl Harbor brasileiro

O submarino alemão U-507, de onde partiram os torpedos contra embarcações mercantes brasileiras. Versão de que os disparos foram feitos pela Marinha dos EUA teria sido criada por simpa­tizantes do bloco nazista | Obet. Z. S. Leopold Schuhmacher
O submarino alemão U-507, de onde partiram os torpedos contra embarcações mercantes brasileiras. Versão de que os disparos foram feitos pela Marinha dos EUA teria sido criada por simpa­tizantes do bloco nazista (Foto: Obet. Z. S. Leopold Schuhmacher)
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Mais de 600 corpos ao mar. Esta foi a consequência dos torpedeamentos de cinco navios na costa do Nordeste brasileiro, ocorridos entre 15 e 17 de agosto de 1942, há 70 anos. Apesar de o ataque ser considerado o "estopim" para a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, pouco se conhece sobre as dimensões da tragédia. O fato causou grande comoção em todo o país nos dias que se seguiram às explosões das embarcações mercantes. Os torpedos foram enviados do submarino alemão U-507, comandado pelo capitão alemão Harro Schacht, ao contrário do que reza uma crença popular, ainda muito forte no Brasil, de que os disparos teriam partido da Marinha dos EUA.

Segundo o jornalista Mar­celo Monteiro, esta é uma das maiores mentiras sobre o ataque que perduraram ao longo da história. Monteiro investiu cerca de três anos numa profunda pesquisa a respeito do episódio. O resultado pode ser verificado no livro U-507: o submarino que afundou o Brasil na Segunda Guerra, lançado nacionalmente, na semana passada, na 22.ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Na obra, ele relata o horror e as implicações políticas do afundamento dos navios Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo (os três atacados no litoral de Sergipe, na noite do dia 15), Itagiba e Arará (litoral da Bahia, na manhã do dia 17).

Monteiro explica que a informação de que o ataque teria sido de autoria dos norte-americanos partiu da "Quinta Coluna", como eram chamados, de modo geral, os grupos que defendiam as posições do Eixo (liderado pelo governo nazista da Alemanha, além da Itália e do Japão) dentro dos países dos Aliados (EUA, União Soviética e Império Britânico), ou que simpatizavam com o este bloco, como era o caso no Brasil. "Uma prova incontestável de que os alemães foram os responsáveis é o diário de bordo do submarino U-507, que foi uma das minhas fontes de pesquisa", relata o jornalista.

Por mais que o então presidente da República, Getúlio Vargas, não escondesse sua simpatia pelo regime fascista de Mussolini (Itália), ele cedeu às pressões norte-americanas. Monteiro considera que o ataque brasileiro pode ser considerado uma espécie de "Pearl Harbor brasileiro". Assim como os japoneses (aliados dos alemães no Eixo) atacaram a base americana em 1941, provocando a entrada dos EUA no conflito histórico, a reação do Brasil aos ataques de seus navios foi a entrada na guerra ao lado dos norte-americanos.

Razões

O historiador Luís Edu­ardo do Amaral Rocha, de Curitiba, responsável pela revisão histórica do livro de Monteiro, explica que, até o episódio de Pearl Harbor, o Brasil estava "em cima do muro", mantendo relações diplomáticas estáveis com os dois lados da guerra. "A ruptura definitiva das relações do Brasil com a Alemanha acontece justamente pouco após o ataque à base americana, em 1941". Antes mesmo dos torpedeamentos na costa brasileira, segundo ele, é importante lembrar que outros navios de bandeira brasileira, que transportavam principalmente borracha, já haviam sido atacados a caminho dos EUA, grande consumidor desta matéria-prima.

Sobrevivente tinha apenas 4 anos na época

Os ataques aos navios na costa brasileira causaram uma enorme comoção popular, que se estendeu por todo o país, principalmente por meio dos jornais e dos alto-falantes instalados nas ruas das grandes cidades. No entanto, os detalhes do drama acabaram não perdurando na memória brasileira.

Durante a apuração para o livro, Monteiro procurou por sobreviventes do episódio. Uma das personagens lhe chamou a atenção em especial: a alagoana Walderez Cavalcante, que tinha apenas 4 anos na época. Ela estava no navio Itagiba.

"Depois que o navio foi atingido pelo torpedo e começou a afundar, ela conseguiu chegar a uma baleeira [um tipo de barco de salvamento]. No entanto, o navio virou e o mastro caiu em cima da baleeira onde Walderez estava. A embarcação se quebrou ao meio e ela conseguiu se salvar agarrando-se a uma caixa de transporte de leite condensado. Depois de ficar algumas horas à deriva, acabou sendo encontrada pelo iate Aragipe, que ajudou no resgate", conta Monteiro. "O iate conseguiu resgatar cerca de 150 pessoas. Outras 130 não tiveram a mesma sorte e morreram durante o naufrágio. O Itagiba foi o navio que teve mais mortes durante a tragédia", afirma.

Outra sobrevivente descoberta por Monteiro foi Vera Beatriz do Canto, que também estava no Itagiba. Uma foto dela ao lado de Walderez aparece na revista Agressão, de 1943, editada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Getúlio Vargas e que traz um relato dos torpedeamentos. "Eu consegui promover um encontro entre as duas, que não se viam desde aquela época. Foi uma emoção muito grande", relata o jornalista. Segundo ele, cerca de 240 pessoas conseguiram sobreviver aos naufrágios.

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