Lei esbarra na falta de infra-estrutura

A nova lei contra a pedofilia dificilmente terá resultados imediatos, segundo o advogado e professor Luiz Flávio Gomes. Especialista em Direito Penal e docente da Universidade Complutense de Madri, ele afirma que a polícia não tem estrutura para coibir as redes de pedófilos na internet. "Não basta alterar a legislação, é preciso investir."

Gomes afirma que o combate a esse tipo de crime precisa ser transformado em programa de governo das administrações estaduais e federal. Ele defende projetos para treinamento de agentes e compra de equipamentos. "O problema não é encontrar o material de pedofilia, mas sim provar quem são os autores."

O advogado lembra que são pouquíssimos casos de pedofilia na internet que chegam aos tribunais. Para Gomes, o Brasil deveria se espelhar no modelo adotado na maioria dos países europeus, como Alemanha e Espanha.

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Punição

O que diz a nova lei contra a pedofilia:

Pena - Prisão entre quatro e oito anos aquele que "produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente".

Cargo público - Aumento da pena em um terço se a pessoa estiver no exercício de cargo ou função pública, tiver relações domésticas ou ter parentesco até o terceiro grau com a vítima.

Imagem - A distribuição de material pornográfico, ou a "troca" de fotos ou vídeos pornográficos com crianças e adolescentes passam a ter pena de 3 a 6 anos de prisão, mais multa.

Exposição - Definição de cena de sexo explícito ou pornográfica como qualquer situação que envolva crianças ou adolescentes em atividades sexuais ou insinuadas, ou exibição de órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins propriamente sexuais.

O assassinato de Rachel Genofre, 9 anos, chamou a atenção da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia no Senado. O presidente da CPI, Magno Malta (PR-ES), chegou a oferecer ajuda nas investigações, o que foi negado pelo Ministério Público temporariamente. "O tumor ficou exposto, como no caso de Curitiba, e as pessoas querem curá-lo", afirmou.

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Em entrevista à Gazeta do Povo no Congresso Nacional, Malta afirmou que acompanhou o caso "com tristeza". Por outro lado, comemorou na terça-feira passada a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que endurece as penas para os crimes de pedofilia e combate a exploração sexual de imagens de crianças e adolescentes na internet. A proposta, formulada pela CPI, depende apenas da sanção do presidente Lula para entrar em vigor.

O senhor acompanhou o caso Rachel?

Acompanhei com muita tristeza. Sei que ainda não há uma definição concreta de quem é o autor do crime, mas há indícios comuns a outros casos. O pedófilo é um compulsivo. Quando ele é alcançado pelas autoridades, normalmente não é com a primeira criança. A ocasião não faz o ladrão, revela. Pode apostar que há um rastro, que a polícia vai achar uma, duas, três, dez crianças que sofreram abusos desse mesmo cidadão. Fiquei com ainda mais tristeza ao saber das informações que envolviam o orkut (cadastro em um site de relacionamentos) da menina (Rachel).

A CPI pode e pretende ajudar nas investigações, principalmente no que se refere ao aspecto virtual do caso?

Imediatamente colocamos a assessoria da CPI à disposição do Ministério Público no Paraná. Se eles precisarem dos peritos da Polícia Federal que trabalham para a comissão, eles estão prontos para ajudar no processo investigativo. Da minha parte, por enquanto, só posso dizer que foi um episódio doloroso para a família e para a sociedade brasileira, que cansou de assistir a esse tipo de crime.

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Houve alguma resposta do Ministério Público ao oferecimento de ajuda?

Eles responderam que no momento não havia necessidade. Mas que, se houvesse, eles entrariam em contato conosco.

Casos como esse deixam claro que esse tipo de crime é mais comum do que se imagina?

A pedofilia era um crime incubado. As pessoas tinham medo de denunciar. Havia ameaça velada e aberta. É preciso que fique evidente – o pedófilo é uma sombra. É um sujeito acima de qualquer suspeita, que muita gente põe a mão no fogo por ele. Quando se descobre, há o susto. A grande colaboração da CPI foi ter tirado as escamas dos olhos da sociedade, que começou a se unir para tomar uma decisão de não aceitar mais esse tipo de abuso. O tumor ficou exposto, como no caso de Curitiba, e as pessoas querem curá-lo.

Como a lei aprovada nesta semana vai ajudar no combate à pedofilia?

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Vai inibir. Vou citar um exemplo. Fizemos algumas operações arrojadas durante a CPI. Quebramos o sigilo de salas de bate-papo virtual, do Google. Promovemos operações que causavam desdobramentos em vários países. Lá fora os pedófilos que atuavam na internet iam para a prisão. Aqui, não. O pedófilo podia se deleitar em casa com imagens de crianças sendo abusadas em berços que nada acontecia. Agora, com a nova lei, a posse de material de pedofilia está criminalizada. As condutas também estão criminalizadas – fotografar, entregar material ou facilitar a pedofilia. A modificação que promovemos no Estatuto da Criança e do Adolescente certamente é o que o Brasil precisava neste momento. Nós damos um passo adiante na proteção da família brasileira.

É possível garantir que, com a sanção da lei, será mesmo possível ver os pedófilos virtuais, de qualquer classe social, na cadeia?

Sim. O pedófilo virtual usa a internet para visualizar a sua caça. Ele captura as crianças e leva para o mundo real para abusá-las. Você presenciará as operações que acontecerão de agora em diante. Não será mais só o computador que ficará preso. Tenho certeza que a avidez da justiça, dos políticos e das pessoas vai transformar essa situação. Essa lei será um diferenciador de como enfrentamos a pedofilia no Brasil.