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O Código de Processo Civil, apro­­­vado em 1973, submeteu-se desde o início da década de 1990 a sucessivas alterações – aproximadamente 30 leis o alteraram. Depois de tudo isso, é compreensível algum desconforto entre os pro­­­ces­­­sualistas, quando se fala da elaboração de um novo Có­­­digo. Muitos dizem: "Mexeu-se tanto no Código e agora se vai fazer outro?".

Sob esse aspecto, é reconfortante constatar que as linhas gerais apresentadas pela comissão de juristas encarregada de elaborar um novo Código não ignoram as tentativas de reformulação empreendidas nos últimos anos. Pelo contrário, propõe-se a racionalização e a simplificação de muitos dos mecanismos e institutos engendrados nessas duas décadas. A verdade é que, com tantas alterações pontuais, o Código virou uma colcha de retalhos.

Os mais críticos dirão que só faz sentido um novo Código se for para subverter completamente o modelo atual em busca de algum outro, radicalmente distinto. Isso definitivamente não está anunciado nas linhas gerais divulgadas pela comissão. Mas a verdade é que a criação de um modelo processual absolutamente novo é quimera – a começar pela própria dificuldade na concepção de algo nesses moldes.

Então, o que se tem no documento apresentado nesta semana pela comissão de juristas incumbida do esboço do novo Código são, no mais das vezes, propostas: de simplificação de atos (como a ampliação da admissão de provas produzidas extrajudicialmente, cuja idoneidade pode depois ser averiguada em juízo); de confirmação de determinadas interpretações já assentes acerca de regras ora em vigor (por exemplo, os limites da eficácia preclusiva da coisa julgada); e de eliminação de controvérsias hermenêuticas acerca de outras dessas regras (tal como a relativa ao início do prazo para cumprimento da sentença condenatória sob pena de multa). Outras tantas proposições, embora constituam novidades, são nitidamente desdobramentos de alterações já antes introduzidas (por exemplo, instituir-se a cominação de uma multa por descumprimento, nos moldes da já existente nas sentenças condenatórias, também nas sentenças que rejeitam embargos de executado ou impugnação ao cumprimento).

Nesse contexto, há dois conjuntos de propostas mais impactantes. Por um lado, há uma clara preocupação com os conflitos de massa: as causas que, com contornos essenciais idênticos, chegam aos milhares ou milhões ao Judiciário, em ações individuais. O novo Código trataria de "incidentes de coletivização" das demandas individuais. Pro­­põem-se mecanismos de reunião e suspensão de processos, até que se estabeleça uma solução uniforme para todos os casos homogêneos. Os riscos nesse caso são bastante conhecidos: supressão do devido processo legal, do contraditório, do acesso à justiça. O litigante individual pode ver-se privado de qualquer chance de influir adequadamente na solução que será estabelecida, em outro processo, e o vinculará definitivamente. O documento da comissão, ciente disso, promete a formulação de um modelo que propiciará "amplíssima defesa, com todos os recursos previstos nas leis processuais".

Note-se que tal proposta de co­­letivização já não é uma novidade no sistema. No âmbito dos recursos especiais e recursos extraordinários, de competência do STJ e STF, respectivamente, criaram-se mecanismos de soluções homogêneas para recursos repetitivos. Aliás, no que tange ao mecanismo de julgamento dos recursos repetitivos nos tribunais superiores, a comissão propõe um passo adiante, de modo a tornar-se "obrigatória" a observância das decisões daquelas cortes pelos tribunais locais. Mas tal proposta não parece compatível com a Cons­tituição, que prevê de modo exaus­tivo os casos em que decisões judiciais são aptas a ter força vinculante perante terceiros que não participaram do processo.

Ainda no âmbito dos recursos, há propostas de simplificação do sistema recursal. A mais marcante consiste na eliminação da possibilidade de se recorrer das decisões dadas em primeiro grau antes da sentença (decisões interlocutórias) – as quais passariam a poder ser rediscutidas apenas por ocasião da apelação contra sentença. O agravo de instrumento ficaria reservado apenas às decisões sobre medidas urgentes cautelares ou antecipatórias. A proposta vem ao encontro de diversas e autorizadas manifestações doutrinárias. Mas pode conduzir a uma retomada do emprego do mandado de segurança contra atos judiciais – o qual é cabível contra decisões judiciais irrecorríveis. Então, fechar-se-ia uma porta e abrir-se-ia outra. Mas vale a pena tentar – apostando-se num sistema que passaria a rejeitar, por falta de interesse processual, mandados de segurança que não versassem sobre questões que não pudessem aguardar a discussão na apelação.

O documento apresentado pela comissão constitui ainda um esboço. O grande desafio será elaborar dispositivos legais que deem adequada expressão às propostas boas ora feitas e que eliminem os graves riscos ínsitos a tantas outras das proposições.

Eduardo Talamini é livre-docente, doutor e mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP), professor de Processo Civil e Arbitragem da UFPR

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