Região abriga comunidades quilombolas, que estão a perigo
O avanço do pinus ameaça não só o meio ambiente do Vale do Ribeira, mas também um patrimônio cultural tão valioso quanto os recursos naturais. A região abriga o maior número de comunidades quilombolas de São Paulo e do Paraná, além de caiçaras, índios Guarani, pescadores tradicionais e pequenos produtores rurais. Ali vive Donato Batista Monteiro, de 72 anos, no quilombo fundado pelo bisavô em 1854. A indústria madeireira já engoliu parte dessas terras, ainda não tituladas. O comprador disse que faria uma lavoura de milho e feijão, mas quando Donato se deu conta aquele pedaço de chão estava forrado de pinus.
A família de Donato já deu o sangue para proteger suas propriedades, como no dia 31 de dezembro de 1969, quando uma horda de jagunços queimou as casas do quilombo e deixou uma dezena de famílias ao relento durante meses. A mulher de Donato, Natália dos Santos Monteiro, na época estava grávida do sexto filho. Três anos antes o pai dele, Luiz Batista Monteiro, havia sido morto por jagunços. Com o passar do tempo, surgiram outras formas de tomar as terras dos quilombolas. Muitos foram ludibriados e acabaram vendendo as propriedades.
Nessas comunidade rurais, os descendentes de escravos vivem da agricultura de subsistência, mantendo suas manifestações culturais do passado. Além deles, no Vale da Ribeira vivem cerca de 80 comunidades caiçaras, interagindo com a natureza, seus ciclos e recursos renováveis. Na mesma região do vale estão dez aldeias Guarani, dos subgrupos Mbyá e Ñandeva. Estima-se que sejam 400 indivíduos.
O pinus tornou-se problema para todo o Sul do Brasil, dizem ambientalistas. Espécie invasora que exige cuidados por se propagar à revelia. Aos dez anos de idade ela já produz sementes que podem se deslocar com o vento num raio de 100 quilômetros, provocando a "contaminação biológica". Laura Jesus de Moura e Costa nasceu na cidade de Doutor Ulysses, cresceu em Cerro Azul e desde cedo acompanhou a desconfiguração do verde nativo do Vale do Ribeira, causado pela ação do vento ou do homem. Indignada, ela criou uma organização não-governamental, o Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (Cedea).
Na mocidade, Laura veria os anos de 1970 chegarem como um trator sobre as matas do Rio Ribeira, o último grande manancial a meio caminho das metrópoles de São Paulo e Curitiba. A devastação refreou na década seguinte graças às ações dos ambientalistas. Veio então a Rio-92 (o encontro mundial sobre meio ambiente realizado na capital fluminense em 1992). Mas em vez de se estancar a sangria verde, o que se viu foi exatamente o contrário. O pinus avançou ainda mais e hoje ocupa 10% da porção paranaense do Vale do Ribeira. "As empresas destróem para obter mais lucro, o que é uma burrice, pois estão destruindo a si mesmas", diz Laura.
Estrago
Não há pesquisas sobre a real dimensão do estrago que o pinus pode estar causando no Ribeira, mas estudos feitos com esta espécie em outras regiões permitem uma analogia. Diretora executiva do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, a engenheira florestal Sílvia Ziller fez tese de doutorado sobre a invasão de pinus nos Campos Gerais do Paraná, entre 1997 e 2000. Sílvia aponta quatro grupos principais de impactos. O mais aparente é a desconfiguração da paisagem, dada a intromissão de espécies exóticas. Deste impacto decorre outro, de caráter cultural, já que por falta de conhecimento há quem pense que o pinus é planta nativa.
Contudo, os efeitos mais graves são de caráter prático. A conversão de ambientes naturais em monocultura de pinus sufoca as plantas nativas e afeta a biodiversidade. A perda de flora leva à perda de fauna pelas mudanças do habitat natural, já que os animais perdem as plantas que servem de alimento. O reflexo mais crítico recai sobre a água, fonte primeira de toda a biodiversidade. O pinus cresce muito rápido e por isso consome mais água, levando à perda de nascentes em função de plantios próximos de riachos e olhos d'água. A ocupação de pinus em encostas de cursos de água provoca erosão e assoreamento dos rios, com conseqüências negativas à qualidade da água e ao habitat de espécies aquáticas nativas.
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