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"Childfree"

O que é o movimento “livre de crianças” e o que a lei diz sobre a prática

Movimento childfree defende espaços sem crianças (Foto: Bigstock)

Os objetivos do movimento "Childfree" se resumem na própria expressão em inglês, que é bastante clara: “livre de crianças”. O movimento Childfree é formado por pessoas que optaram por não ter filhos e, mais do que isso, não desejam ser importunadas por crianças em espaços públicos. Por isso, estimulam e aprovam iniciativas de estabelecimentos comerciais que restringem o acesso de crianças, ao menos em algumas áreas. A iniciativa vem ganhando adeptos rapidamente no Brasil – e a polêmica vem aumentando na mesma medida.

“O movimento Childfree é formado por pessoas que não querem ter filhos por variados motivos”, define Ana Guimarães, que vive em Campinas, é adepta do movimento há sete anos e dona da página de Facebook Somos Childfree. A página contém várias imagens com sátiras a quem tem ou vai ter filhos, algumas inclusive que podem ser consideradas agressivas.

Ela conheceu o movimento pela internet, em 2012. “Nessa época ainda não se falava tão abertamente sobre a escolha de não ter filhos”, lembra.

A proposta principal do movimento, diz Ana Guimarães, é defender o direito a não ter filhos: “Nossa ideia é reunir pessoas que não querem ter filhos e assim criar um vínculo entre todos, mostrar que existe quem não quer ser responsável por uma criança e que há muitas coisas para serem feitas na vida além de filhos”.

A disputa por espaços sem crianças foi posterior. “Foi algo que surgiu depois, começou com um restaurante em São Paulo e todos nós gostamos dessa novidade. Quase todos os lugares possuem espaços kids, por que não meia dúzia apenas para adultos frequentarem? Crianças na maioria das vezes causam desordem e perturbam o ambiente.”

Esse tipo de espaço, diz ela, serviria até mesmo para quem tem crianças em casa. “Tem o casal que acabou de ter um filho e quer sair para um momento mais intimista e tranquilo, por que não optar por um local assim?”

Childfree tem origens americanas

Há diferentes exemplos de empresas que aderiram a algum tipo de limite à presença de crianças, ou ao menos alertam os demais usuários do serviço sobre a presença delas. A Japan Airlines, por exemplo, passou a informar em quais assentos há bebês menores de dois anos, de forma que os demais passageiros possam optar por sentar longe deles.

Dezenas de resorts e restaurantes espalhados pelo mundo anunciam, como vantagem, o fato de não permitir a entrada de crianças, de forma a garantir maior tranquilidade. Tais ações provocam polêmica, em especial nos países desenvolvidos, e mais recentemente em países como o Brasil e a Índia.

Esse movimento surgiu nos Estados Unidos, em 1972, com a fundação do grupo National Organization for Non-Parents, que defendia a ideia de que ter filhos é uma escolha, e não uma obrigação. Voltado principalmente para as mulheres que se sentem pressionadas a ter filhos, o grupo se espalhou – chegou ao Canadá, num primeiro momento, depois à Europa.

Muito mais recentemente, há uma década, a defesa pelo direito de não ter filhos, e não ser estigmatizado(a) por isso, transformou-se em uma posição mais radical, a de não querer ter contato com os filhos dos outros em lugares públicos, incluindo hotéis e restaurantes, tradicionalmente abertos a todos os perfis de consumidores.

Esse é um movimento que tende a crescer, na medida em que aumenta a proporção de mulheres que optaram por não ter filhos – em 1976, 10% das americanas de 40 a 44 anos não haviam dado à luz, enquanto que em 2014 esse percentual havia subido para 15%. Em 2014, 38,4% das brasileiras de mais de 15 anos não eram mães, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além disso, novas motivações para não ter filhos surgiram nas últimas décadas, incluindo o movimento feminista e a preocupação ambiental (os defensores dessa teoria alegam que diminuir o ritmo de crescimento da humanidade também reduz o impacto da espécie sobre o planeta).

Uma das críticas mais comuns a essa escolha foi sintetizada por uma frase do papa Francisco, proferida em 2015: “A escolha por não ter filhos é egoísta”.

Não deveria haver maior tolerância com as crianças? Afinal, elas estão na fase de aprender de tudo, inclusive a conviver socialmente. Mantê-las afastadas pode atrapalhar esse processo.

Polêmica no Brasil

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a prática é ilegal e discriminatória, já que afrontaria tanto a Constituição Federal (CF) quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Idec orienta que aqueles que se sentirem lesados podem denunciar o caso ao Procon de sua cidade ou ao Ministério Público (MP) estadual.

“Uma coisa é um grupo de mulheres defender, de forma legítima, o direito a não sofrerem discriminação ao optar por não ter filhos. Outra coisa, completamente diferente, é passar de uma garantia individual e uma recriminação contra crianças”, afirma Igor Marchetti, advogado do Idec. Ele lembra que, em casos extremos, uma família pode, sim, ser convidada a se retirar de um restaurante, por exemplo. “Se a criança estiver importunando os demais clientes, ou se comportando de forma violenta, sem que os pais reajam, o gerente ou proprietário pode solicitar que a família se retire, da mesma forma como faria se fosse um adulto destemperado, incomodando os clientes. Mas são casos extremos. Via de regra, o acesso de crianças é garantido por lei.”

Outras frentes de defesa das crianças se movimentaram, ainda que sem sucesso. Por exemplo, o deputado Mário Heringer (PDT-MG) chegou a apresentar um projeto de lei que proibia estabelecimentos comerciais de vetar o acesso a crianças e adolescentes, mas a iniciativa foi rejeitada pela Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados. No Rio de Janeiro, um projeto do deputado estadual Zaqueu Teixeira (PDT-RJ) proíbe espaços, meios de transporte e estabelecimentos comerciais privados de barrar menores de 18 anos.

Sobre as críticas a respeito do movimento, em especial as que afirmam que é ilegal pedir que estabelecimentos recusem crianças ou criem áreas em que o acesso delas é negado, Ana Guimarães, do Somos Childfree, reage: “Não faz o menor sentido. Até porque não seriam todos os estabelecimentos restringindo a entrada de crianças, mas apenas alguns. Todos seriam beneficiados no final”.

Ações ilegais

Para Thaís Dantas, advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, ações comerciais que restrinjam o acesso de qualquer parcela do público, de crianças a idosos, passando por portadores de necessidades especiais, não são apenas polêmicas, mas ferem a Constituição.

“Muitos estabelecimentos alegam que não estão preparados para receber crianças e adolescentes. Do ponto de vista legal, esse argumento não faz sentido, porque a lei obriga os comerciantes a adaptar seus espaços para receber, com segurança, todos os públicos”, afirma, lembrando que existem exceções notáveis, como bares e motéis, que não podem aceitar a presença de crianças precisamente para defendê-las.

“Valorizar a discriminação de crianças com apelo comercial é ilegal. Nossa legislação garante que as crianças são cidadãos desde já, e não apenas no futuro. Têm direitos a frequentar espaços públicos e privados”, diz a advogada.

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