Os principais indicadores sobre violência no Brasil foram divulgados no 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública - levantamento anual feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) - na terça-feira (28). Entre os diversos dados, o estudo apontou que houve redução de 6,5% nas mortes violentas intencionais (homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais) no ano passado frente a 2020.
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A redução, no entanto, não ocorreu em todo o país. Segundo o levantamento, apesar de as regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul terem registrado diminuição nas mortes violentas, a região Norte registrou aumento de 7,9%.
O número de homicídios verificado em 2021 (47,5 mil) é o menor desde 2011 (47,2 mil), quando o FBSP passou a monitorar anualmente os indicadores de segurança pública no Brasil. De lá para cá, o ápice da violência no país ocorreu em 2017, quando foram contabilizadas 64 mil mortes violentas. A partir de 2018, entretanto, teve início um movimento de queda nos assassinatos e essa tendência prossegue desde então, como mostrado pela Gazeta do Povo.
Para especialistas consultados pela reportagem, há diferentes variáveis que podem ser consideradas na nova redução das mortes violentas no país – dentre elas, a principal é o arrefecimento nos conflitos entre facções criminosas. Além disso, outros prováveis fatores apontados são a menor circulação de pessoas nas ruas devido à pandemia; o efeito dissuasório - possibilidade de se desistir de praticar um crime - a partir do aumento no quantitativo de armas legais em circulação; e até mesmo o acréscimo no número de pessoas desaparecidas (3,2%), o que pode ter camuflado números maiores de homicídios.
Levantamento aponta que 21 estados registraram redução nas mortes violentas
A nova edição do Anuário mensurou uma taxa de 22,3 mortes violentas intencionais (MVI) para cada 100 mil habitantes no Brasil, contra 23,8 em 2020 e 22,7 em 2019.
Entre os estados, apenas seis registraram aumento nos homicídios entre 2020 e 2021 (veja infográfico abaixo). O Amazonas foi o que teve a maior alta (47%). No lado oposto, o Acre obteve a queda mais expressiva nas mortes, com -41%. Entre as capitais, as maiores variações também se deram nesses estados: enquanto Rio Branco (AC) registrou queda de 48%, Manaus (AM) teve acréscimo de 49% nas mortes violentas.
Entre as fontes utilizadas no levantamento estão secretarias estaduais de Segurança Pública, órgãos policiais e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No ranking dos 30 municípios considerados mais violentos, isto é, com as maiores taxas de mortes violentas intencionais, 18 estão na região Nordeste, 10 na região Norte e duas no Centro-oeste. Entre as cidades que figuram entre as mais violentas, a maioria (19) está localizada em áreas rurais, enquanto apenas três figuram em território urbano.
Arrefecimento em conflitos entre facções é principal responsável pela queda nos homicídios
O relatório do FBSP cita o abrandamento dos conflitos regionais entre facções criminosas nos últimos anos como fator determinante para a queda nas mortes violentas. A partir do final de 2016, teve início uma série de confrontos entre criminosos como resultado de métodos empregados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), principal facção brasileira, para expandir seus domínios em todas as regiões do país. Tais confrontos, que ocorreram tanto dentro dos presídios quanto nas ruas, deram-se entre o PCC, de um lado, e o Comando Vermelho (CV) do outro, junto com outras facções aliadas. Os conflitos fizeram com que em 2017 fosse atingido o ápice de homicídios no Brasil, com aproximadamente 64 mil ocorrências. Mas, partir do ano seguinte, houve um movimento de arrefecimento desses confrontos, o que pode estar ligado diretamente à queda dos homicídios em parte do país.
“As mortes violentas intencionais estão ligadas principalmente ao latrocínio e à guerra entre facções. Vemos, então, uma estabilização nesses conflitos, possivelmente devido ao equilíbrio entre as forças criminosas, que pode estar resultando nessa diminuição dos homicídios”, afirma o especialista em segurança pública Luiz Fernando Ramos Aguiar, major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF).
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Para Fábio Costa Pereira, procurador de Justiça do estado do Rio Grande do Sul e especialista em Inteligência de Estado pela Escola Superior de Guerra (ESG), há outras possíveis justificativas para a diminuição das mortes, que passam pela menor quantidade de pessoas em circulação nas ruas em decorrência da pandemia e até mesmo uma correlação com o aumento no número de desaparecidos – de acordo com o Anuário, aumentou em 3,2% o número de desaparecidos em 2021.
“Temos a diminuição do número de homicídios de um lado e o aumento no número de desaparecidos do outro. É preciso estudos específicos para entender se esses desaparecidos estariam mascarando o número de homicídios”, afirma o procurador de Justiça.
Somente no Rio de Janeiro, estado que possui cerca de 1,4 mil favelas dominadas pelo crime organizado, foram encontrados 366 cadáveres e ossadas escondidos entre 2016 e 2021, de acordo com dados da Polícia Civil. Os corpos foram localizados em lagoas, praias e áreas alagadas, o que dificulta a identificação das vítimas e os autores dos crimes.
O maior quantitativo de armas legais nas mãos da população civil também é apontado pelos especialistas ouvidos pela reportagem como fator que pode ter contribuído para a redução de homicídios. De acordo com o FBSP, nos quatro últimos anos, houve 473% de aumento nas licenças para armas de fogo. Em 2018, havia 117,4 mil registros ativos para caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs; segundo dados atualizados até 1º de junho de 2022, esse número chegou a 673,8 mil.
“O fato de as pessoas terem mais armas em casa não vai impactar diretamente na redução de homicídios, mas é um elemento significativo de dissuasão, uma vez que o criminoso passa a ter maior cautela quanto ao cometimento de crimes, ao supor que há mais chances de haver reações armadas”, explica Aguiar. “Tanto é que o aumento no registro de armas a partir de 2018 para cá acompanha a redução nos homicídios”, afirma.
Na direção oposta, região Norte sofre com alta na violência
Segundo o relatório do Anuário, a redução dos conflitos entre facções nos últimos anos não foi homogênea, e, em estados da região Norte - com destaque para o Amazonas -, os confrontos se acirraram após um período de estabilidade. Os pesquisadores apontam que parte significativa do crescimento de 53,8% na taxa de mortalidade do Amazonas se deve ao conflito entre membros do Comando Vermelho e da Família do Norte. Outros fatores que podem ter contribuído para o aumento da violência no local, segundo o relatório, são os conflitos fundiários e os crimes ambientais.
“A região amazônica interessa ao crime organizado, porque faz fronteira – e vira rota de passagem – com os principais países produtores de drogas da América do Sul: Colômbia, Peru e Bolívia. Nesses locais, em que tem sido registrada disputa mais intensa das facções pelos territórios, as forças de segurança são mais frágeis; têm menos estrutura, salários menores e efetivos pequenos para áreas gigantescas. Tudo isso dificulta um enfrentamento mais efetivo”, explica Aguiar.
O especialista em segurança pública pontua ainda que há problemas históricos de violência na região Norte, ligados a questões fundiárias e ao garimpo, por exemplo, que se potencializaram com a maior presença das organizações criminosas. “As facções não ficam apenas no tráfico de drogas e também se envolvem com esses outros crimes”, afirma.
Taxa de homicídios ainda é dramática; impunidade é principal obstáculo
Apesar da tendência de queda nos homicídios iniciada em 2018, o Brasil ainda figura num quadro de violência extrema. Conforme dados de 2020 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a taxa brasileira de mortes violentas por 100 mil habitantes só é menor do que em países como Colômbia, México, Jamaica e Belize. Com 2,7% da população mundial, o Brasil responde por 20,4% dos homicídios entre os 102 países pesquisados pelo UNODC.
Para os especialistas ouvidos nesta reportagem, as falhas no sistema de Justiça criminal, que conduzem o país a uma sensação crônica de impunidade, são o principal fator que impacta nos altos índices de criminalidade.
Na visão de Aguiar, as leis penais do Brasil são adequadas e não há necessidade de aumentar as penas dos crimes. Mas é preciso que essas penas sejam efetivamente cumpridas, sem benefícios que as abreviem ou anulem. Tais benefícios, segundo ele, ampliam a percepção de impunidade que favorece o cometimento de novos crimes. “Nos países que possuem os menores índices de homicídios, se a pessoa for condenada a 30 anos de cadeia, vai cumprir os 30 anos. Nenhuma nação do mundo lida com o crime do jeito que estamos lidando, com tantos benefícios. A ressocialização é positiva, mas deve haver a punição pelo crime”.
Pereira, por outro lado, destaca que o Estado, por meio do sistema persecutório (investigação criminal e processo penal), deve ser visto como uma ameaça crível ao criminoso, mas que as dificuldades da imposição da lei penal no Brasil reforçam a sensação de impunidade.
“O criminoso, antes de cometer o crime, deve ter ciência de que, em primeiro lugar, corre um grande risco de ser pego e que, se cometer crime, há uma grande possibilidade de o Estado desvelar que foi ele quem cometeu. Por fim, deve saber que se descoberta a autoria do crime, ele será levado à lei. E, se for condenado, será preso e permanecerá preso”, diz o procurador de Justiça. “O fato de, no Brasil, o Estado não representar uma ameaça crível ao criminoso gera sérias dificuldades para conter a criminalidade”, ressalta.
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