As redes sociais ganharam popularidade no início dos anos 2000 e, desde então, milhões de brasileiros têm parte importante de suas vidas registrada na internet. Mas o que se deve fazer com esse conteúdo quando alguém morre?
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Até hoje, quem define o destino de contas pessoais, blogs, canais de vídeos e de outros conteúdos deixados na rede por pessoas que já morreram são as próprias plataformas digitais. A bem da verdade, a maioria delas trata o tema com sensibilidade – o Facebook, por exemplo, permite à família da pessoa morta preparar um memorial com recordações e mensagens de condolências. Mas, desde maio deste ano, tramita na Câmara uma solução legislativa para a questão.
O Projeto de Lei 1689/21, da deputada Alê Silva (PSL-MG), fixa regras para as plataformas de internet tratarem perfis, páginas, contas, publicações e dados pessoais de pessoas mortas. A ideia é que a definição de herança prevista no Código Civil passe a abarcar direitos autorais, dados pessoais, publicações e interações na rede.
A deputada explica que a ideia surgiu em razão da crescente importância das redes sociais como atividade econômica. “A rede social, hoje, é um patrimônio. Pode não ser um patrimônio físico, mas tudo ali tem valor. Inclusive, tem investimento financeiro. Hoje, se você quer trabalhar com vendas nas redes sociais, você vai promover sua página e colocar dinheiro naquilo”, diz.
Outro ponto da proposta é que o herdeiro poderá ter acesso à página pessoal do falecido, para manter ou editar as informações. Mas, também segundo o projeto, o falecido poderá indicar em um codicilo ou testamento que quer preservar sigilo ou eliminar os dados. Se a pessoa não tiver herdeiros legítimos, a plataforma será obrigada a eliminar o perfil.
Esses e outros pontos do PL, no entanto, ainda passarão por ampla discussão, segundo Alê Silva. “É uma ideia inicial, que ainda pode ser aprimorada através das relatorias. Depois do surgimento do projeto, já nos chegou uma série de sugestões”, afirma. “É um projeto que não tem por que ter oposição. Não gera nenhum tipo de impacto financeiro para a União. É muito tranquilo, então deve tramitar bem rápido”, acrescenta.
O projeto já foi despachado, está na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e aguarda a nomeação de um relator. Se aprovado, seguirá para a Comissão de Cultura e para a Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
Pontos do projeto podem gerar conflitos judiciais, explica especialista
Alguns dos pontos do projeto sobre herança digital que tramita na Câmara poderão causar conflitos judiciais entre herdeiros, de acordo com o advogado Gabriel Otávio, especialista em Direito das Sucessões.
Caso os herdeiros discordem, por exemplo, sobre o que se deve fazer com uma conta no YouTube de uma pessoa morta que tinha um canal de sucesso, a discussão poderá partir para o campo judicial. Uma das possibilidades, segundo ele, é que, por analogia com o que o Código Civil prevê para bens materiais, a página precise ser vendida.
“Num caso de propriedade, por exemplo, digamos que três irmãos tenham herdado uma casa. A casa não pertence a uma pessoa só, pertence aos três. Caso um dos irmãos queira vender a casa, ela vai ter que ser vendida, e cada um dos irmãos ficará com sua parte. A rede social, aparentemente, é um bem indivisível, assim como a casa. A gente não pode dividir a página em três”, explica. “Se um deles quiser vender a casa, por mais que os outros não queiram, ele tem direito àquela cota-parte. A solução seria os outros herdeiros comprarem a parte dele. No caso da página, poderia funcionar mais ou menos da mesma forma”, acrescenta.
Sobre contas que geram retorno financeiro, segundo Otávio, não será possível simplesmente eliminar a conta, mesmo que essa seja a vontade manifestada pelo falecido. “Se for um bem que envolva dinheiro, ele não pode dispor do seu patrimônio se houver herdeiros necessários, que são os cônjuges e os descendentes e ascendentes. Quando esses herdeiros necessários existem, necessariamente 50% do patrimônio têm que ir para esses herdeiros”, afirma.
Para o especialista, o momento é oportuno para dar uma solução legislativa à questão das plataformas digitais como herança. “Isso se tornou mais necessário porque as pessoas começaram a se utilizar da internet como seu meio de vida, de profissão, de publicação de obras… Tudo isso antes era feito no mundo material. Hoje, é no mundo virtual. As pessoas trabalham pela internet, fazem atendimentos pela internet… O patrimônio das pessoas está no mundo virtual. Os negócios jurídicos que elas realizam são através do meio virtual”, observa ele.
Como as redes sociais tratam a questão
Embora não haja, atualmente, previsão legal expressa sobre o que deve ser feito com o conteúdo digital de pessoas mortas, empresas como Facebook (que abarca Instagram e WhatsApp) e Google (proprietária do YouTube) já oferecem, em suas políticas, opções para o caso de falecimento.
Um usuário do Google que queira ter sua conta excluída depois da sua morte, por exemplo, pode optar nas configurações do Google pela exclusão do perfil após determinado período de inatividade. Também é possível escolher até dez pessoas diferentes a serem notificadas após esse período, para que elas definam o que fazer com a conta.
Já o Facebook tem na página de configurações a opção de produzir um memorial a ser editado por pessoas escolhidas como “contato herdeiro”. Mas também é possível manifestar o desejo de excluir a conta – dessa forma, se o Facebook for notificado por alguém de confiança sobre a morte de um usuário, todos os dados da conta serão eliminados para sempre.
Até agora, Google, Facebook e outras empresas de tecnologia não se posicionaram sobre o projeto. Mas, segundo a deputada Alê Silva, a intenção é que essas companhias participem das discussões sobre a lei à medida que a proposta avance na Câmara.
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