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Uma das causas do despertar da direita foi o desejo de reação a certos radicalismos da esquerda, especialmente nas pautas de costumes.| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Nas recentes petições de censura a meios de comunicação como Jovem Pan, Brasil Paralelo e a própria Gazeta do Povo, advogados do PT fizeram uma extensa enumeração de formadores de opinião que, para eles, deveriam ser silenciados durante a corrida eleitoral. A lista negra do PT traz um fato a ser comemorado por quem é de direita no Brasil: a possibilidade inédita de se enumerar dezenas de direitistas com grande impacto na opinião pública.

A direita brasileira perdeu a vergonha de manifestar suas visões. Até pouco tempo atrás, analistas com visões mais tendentes à direita eram gatos-pingados em colunas jornalísticas e programas de opinião de rádio e TV. Hoje, embora a hegemonia esquerdista nos meios de comunicação continue sendo uma realidade, há espaços em que a direita predomina.

“Era meio constrangedor falar ‘sou de direita’. Mas isso foi mudando, porque surgiu um representante e porque muita gente foi se esgotando do discurso bem-comportado da esquerda social-democrata”, afirma o cientista político Christian Lohbauer.

Na sociedade, são cada vez mais comuns os eventos e associações de pessoas que se dizem conservadoras nos costumes ou liberais na economia. Segundo um levantamento de julho deste ano da Agência Pública, ocorreram ao menos 43 congressos conservadores em 17 estados do Brasil desde o início do governo Bolsonaro – o CPAC, o maior deles, já está em sua terceira edição no Brasil.

Nas redes sociais, a direita quebrou tabus dos meios de comunicação e deslocou a Janela de Overton. O impacto é tão forte que o próprio candidato da esquerda à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem precisado abordar temas caros ao conservadorismo que costumavam ser ignorados nas eleições, como liberdade religiosa e aborto.

Como a direita perdeu a vergonha de se manifestar no Brasil

A ruptura da espiral do silêncio teve a ver, em suas origens, com a atuação do filósofo Olavo de Carvalho, de uma pequena contracultura de blogs com tendência direitista no início da década de 2000, e também com as redes sociais, que ajudaram a quebrar a barreira levantada por grandes meios de comunicação entre o público e algumas ideias conservadoras e liberais.

Quando saiu das redes e foi para as ruas, a nova direita começou a ganhar consistência e viabilidade política. Para Camila Rocha, doutora em Ciência Política pela USP e autora de "Menos Marx, Mais Mises: o Liberalismo e a Nova Direita no Brasil" (2021), as manifestações de junho de 2013 e, principalmente, o movimento contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) “fortaleceram um senso de identidade e de pertencimento, de coletividade”. “É aquele momento em que você fala: ‘Eu não estou sozinho. Outras pessoas pensam parecido’”, comenta.

Um aspecto importante desse movimento incipiente, segundo a pesquisadora, era a possibilidade de pessoas compartilharem pela primeira vez “o sentimento de que elas eram silenciadas, principalmente nos ambientes de estudo, mas eventualmente até nos ambientes de trabalho”. “Elas sentiam que existia uma espécie de consenso progressista ou de esquerda. Quando as pessoas perceberam que não estavam mais sozinhas, ficaram empoderadas”, observa.

Para ela, as manifestações de junho de 2013 foram importantes em um primeiro momento porque levaram às ruas algumas demandas “que não faziam parte do cardápio tradicional de movimentos e organizações que costumavam ir às ruas”. O grande ponto de virada, contudo, foi a mobilização pelo impeachment de Dilma. “Foi quando o pessoal de fato saiu do armário, passou a ter orgulho de ser de direita, a se autorreferir como sendo de direita, conservador, liberal… Esse foi o momento crucial.”

Na visão de Lohbauer, outro aspecto importante é que “as pessoas encontraram uma representação” no então deputado federal e atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que, por sua condição de militar, acabou confrontando o consenso politicamente correto de uma forma inusitada. “Depois de todo o período social-democrata, que abarca toda essa elite de hoje que tanto fala de democracia, surgiu alguém de direita para ocupar um vácuo. Durante um período longo, qualquer coisa que se falasse sobre direita se associava com militar. A nossa geração aprendeu na escola que quem era de direita era milico, torturador, explorador do trabalho, canalha, violento. Não se associava a direita a uma escola ideológica de pensamento”, diz. Para o analista, Bolsonaro conseguiu “amalgamar os tímidos de direita”.

Radicalismo de esquerda também contribuiu para a mudança

Outra causa relevante do despertar da direita foi o desejo de reação a certos radicalismos da esquerda, especialmente nas pautas de costumes. Para o professor e escritor Francisco Escorsim, colunista da Gazeta do Povo, esse foi um dos motivos para o crescimento da direita no Brasil.

“O que é mais característico da esquerda atual e que fez a direita crescer com muita força é esse radicalismo de pautas culturais e de costumes, principalmente nas questões de gênero, da chamada cultura woke dos Estados Unidos. Como eles têm, de certo modo, uma hegemonia e uma ocupação de espaços no meio cultural, editorial, de imprensa etc., eles acreditam que detêm uma hegemonia sobre a sociedade. Eles podem até ter meios de impor a sua pauta, por meio de legislação, de decisões judiciais ou promovendo cancelamentos, mas eles não têm hegemonia efetiva sobre a população. E, quanto mais eles radicalizam no sentido de impor essas pautas, mais eles alimentam uma reação a tudo isso”, observa.

Para Camila Rocha, “certas performances ou certos discursos de grupos muito específicos” acabam provocando o rechaço da população ao esquerdismo, o que move muita gente à direita.

“No Brasil, na Marcha das Vadias, teve uma performance de um coletivo chamado ‘coletivo Coiote’, que era basicamente um grupo de duas ou três pessoas. As fotos da performance viralizaram. Foi uma performance muito agressiva, publicamente condenada pelas organizadoras da Marcha das Vadias. Antes, esses grupos faziam esse tipo de performance num contexto limitado – por exemplo, no teatro de uma universidade. O público que tinha acesso a isso era muito restrito. Isso não saía dali. O que acontece com a popularização da internet é que qualquer um com celular tira foto do que está acontecendo, e o público se expande de uma maneira não controlada. Você já não sabe quem é seu público. Seu público pode virar uma senhora do interior do Acre, um senhor sexagenário do Rio de Janeiro… As performances e os discursos radicais dão esse choque nas pessoas, e com certeza fomentam uma reação”, comenta.

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