Em fevereiro de 1945, já no finzinho da Segunda Guerra Mundial, Franklin D. Roosevelt, Joseph Stálin e Winston Churchill se reuniram em Yalta, um pequeno balneário na Crimeia, para discutir os rumos da guerra e da paz que se seguiria. E concordaram com o arranjo pós-guerra sugerido por Roosevelt: a criação de um grupo chamado “Quatro Policiais”, composto pelos EUA, Grã-Bretanha, Rússia e China.
O norte-americano achava que, bajulando Stálin, poderia convencê-lo a manter o compromisso firmado para garantir a segurança coletiva e uma Europa inteira, não dividida. Já o russo tinha uma ideia bem diferente: queria um mundo moldado por esferas de influência, dentro das quais os mais fortes prevaleceriam. Sob o domínio soviético, a Europa Oriental viveu na escuridão por 45 anos.
Coube a Harry Truman conter esse expansionismo. Forjou as primeiras alianças norte-americanas em tempos de paz, começando pela Europa Ocidental, depois a Ásia. Os EUA tomaram a iniciativa de definir as normas, regras e instituições do que se tornou a ordem internacional liberal, incluindo a ONU, as instituições internacionais financeiras e o Plano Marshall.
Tal estrutura favorecia um mundo aberto, conectado pelo fluxo livre de pessoas, produtos, ideias e capital, um mundo baseado nos princípios de autodeterminação e soberania para as nações e direitos básicos para seus cidadãos. Houve dificuldades em manter seus ideais, principalmente na América Latina e no Sudeste Asiático, mas, apesar das tremendas tensões geradas durante a Guerra Fria, produziu décadas de paz entre as grandes potências, ao mesmo tempo em que promoveu uma prosperidade comum.
E é esse sistema que os EUA construíram que agora se vê enfrentando desafios imensos, principalmente dos antigos adversários. Vladimir Putin, não é Stálin e a Rússia não é a União Soviética, mas o presidente quer recriar o modelo de influência russo e, ao mesmo tempo, destruir a ordem mundial que prevaleceu durante a Guerra Fria. A China continua mais preocupada com a estabilidade doméstica, mas segundo o “novo modelo de relacionamento entre as grandes potências” que nos propôs, deveríamos ficar no nosso lado do Pacífico e deixar que ela ocupasse um papel de destaque do outro.
Os aliados norte-americanos na Europa e na Ásia estão preocupados em saber se o governo de Donald Trump vai rejeitar esse resgate do esquema de influência ou acatá-lo. Temem que, como sinalizou durante a campanha, o magnata aprove a liderança “forte” dos autocratas e favoreça uma aproximação transacional com Putin – afinal, ele se mostrou pouco preocupado com a interferência cibernética russa em nossas eleições ou as agressões na Ucrânia, ao mesmo tempo em que sugeriu que a OTAN é “obsoleta”; alegou que os EUA devem deixar de lado essa história de “defender o mundo” e descreveu o Japão e a Coreia do Sul como “aproveitadores” que deveriam assumir o ônus da própria defesa e do arsenal nuclear.
Prometeu se livrar da Parceria Transpacífico, cedendo liderança econômica e influência estratégica à China na Ásia. Para muitos europeus e asiáticos, essas declarações refletem um mundo em que os EUA preferem se retirar para seu casulo enquanto a Rússia e a China passam a dominar suas esferas política e econômica.
Os EUA não devem encarar nenhuma das duas nações sob o prisma de soma zero, pois o governo Obama aprofundou áreas de cooperação com Pequim, desde o acordo climático de Paris, a gestão da epidemia de ebola, o acordo nuclear do Irã e da Coreia do Norte até projetos em países em desenvolvimento. Negociou o New Start, tratado de redução de armas nucleares com Moscou e defendeu a admissão da Rússia na Organização Mundial do Comércio.
No entanto, se a Rússia ou a China desafiarem os princípios da ordem mundial liberal, os EUA têm obrigação de defendê-los. Na Ucrânia, Putin quis mudar as fronteiras do vizinho à força, negando ao povo o direito de decidir a que países, uniões ou alianças quer pertencer. É por isso que nosso apoio à Ucrânia é tão importante.
Como também é nosso suporte à lei internacional no Mar do Sul da China, onde os chineses estão pleiteando vastas porções territoriais e montando postos militares em ilhas artificiais. Esse comportamento põe em risco a liberdade de navegação e o fluxo comercial dos quais depende nossa prosperidade, como também a resolução pacífica de disputas que fortalece a estabilidade e os direitos dos aliados que prometemos defender.
Um mundo baseado no alcance de influências não seria pacífico ou estável e os EUA tampouco ficariam imunes às suas consequências radicais e violentas. Raramente as hegemonias se veem satisfeitas com o que têm; a demanda pela expansão de seus limites e os ciclos de rebelião e repressão dentro delas certamente levarão a conflitos que nos forçarão a um envolvimento. Os EUA teriam que aceitar desvantagens comerciais permanentes, uma vez que as esferas de influência econômica nos isolariam ou incitariam uma disputa por mão de obra, meio ambiente, propriedade intelectual e transparência.
A grande contribuição dos EUA à paz e ao progresso é o estabelecimento da base para um mundo aberto, definido por regras, conectado. Agora temos que decidir se continuamos a defendê-la, melhorá-la e ampliá-la ou nos tornamos cúmplices de sua destruição.
*Antony J. Blinken é vice-Secretário de Estado norte-americano
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