Ex-presidente Lula prometeu fazer uma regulamentação da mídia se voltar ao Palácio do Planalto em 2023.| Foto: Lula Marques/Agência PT
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez, nos últimos dias, uma sequência de declarações sobre como a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil seria uma de suas prioridades em um eventual novo mandato a partir de 2023.

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"Estou ouvindo muito desaforo, leio muito a imprensa. Tem alguns setores da imprensa que não querem que eu volte a ser candidato. Porque, se eu voltar, vou regular os meios de comunicação deste país", disse à Rádio Metrópole da Bahia, na quinta-feira (26).

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Durante passagem pelo Maranhão, no último fim de semana, Lula afirmou que é preciso aprovar de forma urgente a regulamentação da comunicação no Brasil e citou a mídia da Venezuela que, segundo ele, “destruiu” Hugo Chávez, a exemplo do que — também de acordo com o ex-presidente — a imprensa brasileira teria feito com ele próprio.

Já na quarta-feira (25), Lula falou em um discurso para petistas em Natal (RN): "Pode ter certeza de que, se a gente voltar a governar este país, a gente vai fazer, sim, a regulamentação dos meios de comunicação”.

Também nessa ocasião, Lula recordou uma proposta de regulamentação elaborada por Franklin Martins, ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, que não foi levada adiante pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff e não chegou ao Congresso.

O que diz o projeto proposto por Franklin Martins

Para saber o que Lula pretende com um projeto de regulamentação da imprensa, é preciso entender o que propõe Franklin Martins, seu homem de confiança no campo da comunicação e autor do projeto supostamente ignorado por Dilma.

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Em Natal, na quarta, Lula chegou a lamentar a omissão de sua sucessora neste ponto. “Nós deixamos para o governo Dilma dar entrada (no projeto). Não sei por que não deram entrada no Congresso nacional. Mas também não vou discutir por que não deram entrada”, afirmou.

A proposta de Franklin fala em “democratizar” a imprensa, inclui a criação de um Conselho Nacional de Comunicação, com composição representativa dos poderes públicos e de setores da sociedade civil, para estabelecer normas e políticas públicas do setor da comunicação. Esses tipos de conselhos são uma marca da gestão petista, e extingui-los sempre foi uma intenção do governo Bolsonaro.

Além disso, o projeto prevê a “participação social” em "todas as instâncias e processos de formulação, implementação e avaliação de políticas de comunicação”, com “a realização de audiências e consultas públicas para a tomada de decisões”.

Para o sociólogo Lucas Azambuja, professor do Ibmec BH, a ideia da abertura à participação popular pode parecer atraente, mas, na prática, facilmente descamba para algum tipo de controle. “O que você vai ter é um grupo de pessoas, escolhidas sabe-se lá como, basicamente estabelecendo regras com relação à comunicação, à expressão dentro do país.”

Entre esses grupos, ONGs de caráter progressista poderiam dominar os assentos que costumam ser dados à sociedade civil em conselhos do tipo. “Você tem sempre a possibilidade de instrumentalizar esses conselhos. Você dá um ar democrático, um ar de institucionalização, para um processo de censura ou orientação por parte do chefe político, que pode interferir nesse conselho e instrumentalizá-lo.”

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O contexto das falas de Lula — ele está em uma viagem pelo Nordeste já de olho nas eleições de 2022 — sugere que a preocupação manifestada pelo ex-presidente tem mais a ver com potenciais ameaças à sua popularidade do que com a realidade da comunicação de massas no Brasil.

Para Azambuja, Lula pode estar buscando uma forma mais direta de moderar os meios de comunicação contra ataques a ele em um eventual novo mandato. “A imprensa divulgou os escândalos de corrupção durante o mandato do Lula, com toda a cobertura da Lava Jato, etc. Isso abalou o poder de Lula e influenciou a opinião pública”, recorda, destacando que, com uma lei para regulamentar a imprensa, o petista “não dependeria mais de um mecanismo como condicionar verbas públicas de publicidade em troca de seguir certas linhas editoriais”.

Citado como ideal por Lula, modelo britânico de controle da imprensa despertou controvérsia em 2021

A regulação da imprensa do Reino Unido, citada como modelo ideal por Lula, é exercida por um órgão chamado Ofcom — abreviação de Office of Communications —, autoridade reguladora estabelecida em 2002 que controla as indústrias de radiodifusão e de telecomunicações e os correios do Reino Unido.

A atribuição legal do Ofcom é representar os interesses dos cidadãos britânicos perante os meios de comunicação e proteger o público de conteúdo nocivos ou ofensivos. Historicamente, desde sua criação, a necessidade de existência do órgão nunca chegou a ser contestada no Reino Unido de forma expressiva, mas algumas de suas decisões causam polêmica.

No começo de 2021, por exemplo, o Ofcom passou a fiscalizar a presença de discurso de ódio em meios de comunicação. “Discurso de ódio” é definido pelo órgão como "toda forma de expressão que espalha, incita, promove ou justifica o ódio com base na intolerância a deficiências, etnia, origem social, sexo, gênero, mudança de gênero, nacionalidade, raça, religião ou crença, orientação sexual, cor, características genéticas, idioma, opinião política ou qualquer outra opinião, pertença a uma minoria nacional, propriedade, nascimento ou idade”.

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Crítico da atuação do Ofcom, o jurista britânico Andrew Tettenborn observou, em recente artigo publicado no site The Critic, que o Ofcom é uma ameaça à liberdade de expressão no Reino Unido, citando vários casos em que sua atuação poderia estar extrapolando a sua missão original.

“Em maio deste ano, o Ofcom interveio com força para sancionar as emissoras por veicular assuntos que supostamente se oporiam ao consenso científico e reduziriam a confiança popular nas tentativas do governo de lidar com a Covid-19. (…) Além da regulamentação direta, nos últimos três anos ou mais, o Ofcom tem aproveitado a ampla função estatutária que lhe foi confiada para promover a igualdade de oportunidades em relação a raça e sexo, impondo exigentes cotas às emissoras sob ameaça de encerramento e até mesmo retirada da licença caso não se conformem às diretrizes”, escreveu Tettenborn.

Regulamentação da imprensa é necessária, diz especialista em Direito das Comunicações

O debate sobre a necessidade de regulamentar a atuação de meios de comunicação no Brasil não é meramente uma questão partidária, na visão do advogado Ericson Scorsim, especialista em Direito das Comunicações.

“A Constituição de 1988 prevê a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de radiodifusão. Colocaram esse princípio lá, e nunca o legislador avançou, detalhou”, afirma.

Em audiências no Senado durante o governo Lula, Scorsim participou de discussões sobre a regulamentação dos sistemas de radiodifusão no Brasil, visando a criação de um projeto de lei para resolver essa lacuna da Constituição.

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“No decorrer de toda essa história, a gente teve uma decisão do Supremo Tribunal Federal com a revogação da Lei de Imprensa. Isso gerou um vácuo normativo. Então, na radiodifusão, hoje, continua prevalecendo uma lei que é de 1962 (a Lei 4.117, que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações). A Constituição é de 1988, e tem uma série de princípios que não estão regulamentados”, explica.

Para Scorsim, o Brasil está atrasado nessa questão. Ele destaca que não só o Reino Unido, com o Ofcom, mas os Estados Unidos e diversos outros países da Europa têm suas leis de regulamentação dos meios de comunicação. “Uma regulamentação e um incentivo econômico para a diversificação de estruturas de empresas, para favorecer meios pequenos e médios, acho que é importante”, afirma.