Falar de ONGs exige, antes de tudo, fazer contas. O Mapa do Terceiro Setor, da Fundação Getúlio Vargas, abriga dados sobre 415 organizações instaladas no Paraná. O estado é o terceiro colocado em número de grupos, atrás de São Paulo, com 1.784, e do Pará, com 1.554. Como o projeto atingiu 10% da quantidade estimada pelo IBGE – perto de 300 mil ONGs – dá para arriscar que as terras paranaenses abriguem algo próximo de 4 mil entidades. Apenas em Curitiba seriam 1,2 mil (algumas com mais de uma unidade), de acordo com o consultor Carlos Eliandro de Oliveira.

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Contas feitas, a reportagem da Gazeta do Povo foi a campo atrás de outro dado – o das ONGs que fazem a diferença. A tarefa é ainda mais difícil, já que incorre no risco da injustiça. Embora muitas organizações contribuam pouco para engrandecer o terceiro setor e não guardem nem sombra da indignação social que um dia as trouxe ao mundo, são muitas, igualmente, as que fazem a fila andar. Elas não são grandes e conhecidas como a Pastoral da Criança, Fundação Ayrton Senna, Abrinq ou o controvertido Greenpeace, mas não perderam de vista o essencial: provocam terremotos na rotina de seu público. Nesta página, você vai conhecer alguns bons exemplos.

Miséria e misericódia

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No fim da década de 90, logo que regressou de uma temporada de estudos na Itália, a irmã Anete Giordani, 41 anos, da congregação Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus, recebeu como tarefa reorganizar o Centro de Ação Social da Divina Providência, na Vila Sabará, uma das mais de 80 aglomerações da CIC. Até então, a religiosa gaúcha, criada em uma colônia italiana e dada a colocar a mão na massa, não tinha noção exata do que era uma ONG. Mas se virou para saber do que se tratava logo que percebeu, em meio à papelada do Centro, que o local era uma organização não-governamental.

Anete, uma rebelde declarada, gostou do que descobriu. A existência da ONG independia dela, de sua congregação e era um trampolim para a liberdade de atuação que estava buscando, estudante que era de Serviço Social. Por isso, estranhou, e muito, a fila de 200 famílias que se formava na porta da sede atrás da "compra" – uma encomenda que ela também não entendia muito bem o que era. Tratava-se da cesta básica fornecida pelo Divina Providência, um sinal de que a iniciativa tinha provado do veneno do assistencialismo. Dali em diante, foi guerra. "Freira só é boazinha quando oferece alimentos de graça", lembra, sobre a rejeição da comunidade ao fim das filas.

No lugar, Anete instituiu o "Clube de Troca", uma idéia simples, nascida na Europa do pós-Guerra, que consiste no intercâmbio de roupas para brechó, artesanato, compotas e o que mais valer – como plantar couve ou abóboras na lata de tinta. O novo modelo de assistência exigiu que o pessoal do Sabará fosse aos cursos oferecidos pelo Centro. Inúmeras ONGs fazem isso. "O ser humano é criativo por natureza. Por que não incentivar?" O que muda, no caso da Divina Misericórdia, é que em torno do sistema de trocas surgiu um sem número de ações promovidas pela religiosa, uma das figuras mais populares do Sabará e redondezas.

O teste das ruas não deixa mentir. As vias do bairro não estão no mapa da cidade, mas basta perguntar pelas irmãs para saber como se chega num dos três endereços em que atendem. Sim, três apenas na redondeza – tem um em construção na região do Boa Vista. O "Clube de Troca", sete anos depois, acontece em dois sábados por mês, com cerca de 70 famílias, e está na lista de atividades da ONG ao lado de uma creche comunitária para 220 crianças (392 na fila), um time de futebol que agrega 160 adolescentes, custa R$ 90 mil por ano e cuja sede era uma creche clandestina, uma padaria comunitária que faz mil pães por dia e uma comunidade religiosa. "Fiz que nem o povo. Plantei vidro de água benta e medalha do Coração de Jesus nesse terreno", diverte-se em meio a um "massa" e "beleza guri" que troca com a piazada que se atira para cumprimentá-la. Hoje, é Anete, mais quatro freiras emprestando o aprendizado junto a grandes colégios a uma das áreas mais pobres da capital.

Os moradores já se acostumaram ao jeitão sem rodeios da freira. Já fizeram aterro para ampliar a creche e deram uma mãozinha em todo o resto. Valeu a pena. Não é sempre que se pode dizer que a padaria e a sede do time de futebol são os lugares mais bonitos de um bairro, mesmo sendo de uma simplicidade franciscana.

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Anete faz a diferença – e não é só pelo hábito impecável com o qual circula, sem medo, pelas minas do Sabará,