Um pedacinho roliço de plástico branco que normalmente vai parar na lata de lixo foi motivo suficiente para Mayara e Guilherme, ambos de 3 anos, trocarem tapas e empurrões no parquinho da escola, na última quinta-feira, em Curitiba. O palito de pirulito era a velinha de aniversário do bolo de areia que ela estava prestes a soprar. Mas poderia ter sido uma bola, uma boneca ou até uma mínima diferença na quantidade da massinha de modelar o objeto de disputa que faria os dois brigarem dificilmente a tarde correria 100% tranqüila.
Quem convive com crianças sabe que qualquer coisa fica mais atraente quando está divertindo o coleguinha ou o irmão. E quem vai a supermercados ou shopping centers com freqüência certamente já assistiu a meninos e meninas aos berros se jogarem no chão para convencer os pais a comprarem o que eles querem. Não presenciar cenas assim é quase tão raro quanto um freqüentador assíduo de restaurantes que nunca viu uma mãe tendo de chantagear o filho para "limpar" o prato, enquanto a criança só pensa no refrigerante e na sobremesa. São comportamentos que só mudam de endereço. "As crianças vão testando os adultos e vendo o que funciona para terem suas vontades atendidas", resume a gerente de enfermagem e obstetrícia Simone Rocco, organizadora do curso para babás da Maternidade Curitiba.
"Superbabá"
A dificuldade dos pais em manter o controle da casa e a autoridade perante os filhos se tornou algo tão comum que virou tema de programa de televisão. A "superbabá" visita as famílias desesperadas apontando os erros e como solucioná-los. Deixadas de lado certas particularidades, o que se vê são problemas semelhantes em todas as casas, que geralmente passam pela falta de regras e rotina das crianças. "Limite é algo que se impõe desde que a criança nasce, já na amamentação. Mas os pais não querem frustrar as crianças e têm dificuldade em ser firmes com os filhos. A sociedade passou de uma educação muito autoritária para uma muito liberal. E, quando os pais cedem demais, perdem totalmente o controle da situação", diz a psicóloga sistêmica familiar Tatiana Centurion.
É unanimidade entre quem lida com educação infantil que a origem e a solução para determinados comportamentos dos fi-lhos, na grande maioria das ve-zes, estão nos pais. "As crianças são muito sedutoras e os pais muitas vezes não percebem essa manipulação. Eles vão pelo mais fácil, que acaba sendo fazer a vontade da criança, para que ela pare de chorar. O choro é uma espécie de moeda de troca", diz a médica pediatra Beatriz Bermudes, do Hospital de Clínicas de Curitiba. Impor regras e fazê-las cumprir requer paciência, determinação e algum sacrifício. Não adianta, por exemplo, dizer para uma criança manter o quarto dela arrumado se a casa inteira é uma bagunça. "A primeira regra da educação dos filhos passa pelo dar o exemplo. Eles aprendem muito mais vendo do que ouvindo, são muito perspicazes", afirma Tatiana.
A insistência no cumprimento de rotinas e regras é o que acaba diferenciando o comportamento dos filhos na escola e em casa. "Há crianças que na escola são um exemplo de bom comportamento e em casa agem completamente diferente. Já houve casos de pais que vieram à escola confirmar se o filho come bem nos horários da refeição porque em casa eles sempre recusam a comida", conta a coordenadora pedagógica da escolinha Pés no Chão, Patrícia Zarth, que trabalha há 15 anos com educação infantil. "Na escola as regras valem para todos, não há exceção. Por mais que haja um chilique, a gente se abaixa, sem perder a calma, conversa com a criança e explica que todos têm de fazer aquilo. Ela pode até não esquecer o que tanto ela queria, mas acaba interiorizando que há uma regra e que ela não vai conseguir mudar isso", explica a educadora. Para a pediatra Beatriz Bermudes, a família permite mais a desobediência do que a escola. "Como na escola o grupo que elas atendem é maior, as regras são mais pontuais", avalia.
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