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Falta de um plano de preservação expõe uma história "descarrilada"

As duas estações e o armazém de cargas ficam bastante próximos, mas a ausência dos trilhos e os imóveis mais moder­nos que dominam a paisagem tornaram menos visível o con­junto de interesse histórico for­mado por esses imóveis. O pro­fessor de Geografia da Uni­ver­sidade Estadual de Ponta Gros­sa (UEPG), Leonel Brizolla Mo­nastirsky, desenvolve uma linha de pesquisa voltada à necessida­de da preservação do patri­mônio ferroviário. Segundo ele, nos anos 1980 a prefeitura es­tu­dava um meio de aproveitar o que havia restado das linhas fér­reas e das construções usadas pela antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA).

"O governo municipal recebeu, na época, duas propostas arquitetônicas que previam a utilização dos trilhos. Uma delas projetava a criação de um metrô aberto interligando toda a cidade, já que as linhas saíam do Centro em direção a várias regiões", explana. No entanto, uma terceira proposta – a única que previa a retirada dos trilhos – acabou sendo aprovada.

Como resultado, o antigo pátio da RFFSA foi transformado numa praça denominada Complexo Ambiental Manoel Ribas. "Com o tempo, edifícios mais modernos foram construídos em volta. Tudo isso acabou provocando uma ruptura no conjunto histórico que esses prédios formam."

      Não há mais som de apito nem o enorme pátio cheio de trilhos e vagões. No entanto, três prédios centenários ajudam a população a não esquecer que o atual Complexo Ambiental Manoel Ribas – uma enorme praça na região central – já foi um grande terminal ferroviário em Ponta Grossa, nos Campos Gerais.

      Os imóveis onde funcionaram a Estação Central de Ponta Grossa (conhecida como Estação Saudade), a Estação Paraná e um armazém de cargas resistem à indiferença a uma história que começou há 120 anos, em 1894, quando foi inaugurada a estrada de ferro ligando a cidade a Curitiba.

      Repleta de pichações e com vidros quebrados, a Estação Saudade é a maior e mais imponente das três edificações. Tombada pelo Conselho do Patrimônio Histórico do Paraná, foi construída em 1900 com base na arquitetura francesa da época. Em 2004, depois de uma reforma, o local passou a abrigar a Biblioteca Pública Municipal Professor Bruno Enei.

      Porém, um problema grave de infiltração causou danos no prédio e no acervo de livros. No final de 2012, a biblioteca foi transferida para outro local. Desativada desde então, a Estação Saudade se tornou alvo de vandalismo.

      O presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Paulo Eduardo Goulart Netto, diz ter intenção de devolver a finalidade cultural ao espaço com a criação de um museu ou de uma pinacoteca.

      "Essa estação precisa de uma nova reforma. As calhas estão entupidas e isso está provocando uma infiltração intensa nas paredes. Só que a Fundação não dispõe de recursos para fazer toda a restauração. Vamos tentar obter esses recursos através das leis de incentivo à cultura e precisamos acertar os detalhes da obra com o governo do Paraná, já que ela é tombada em âmbito estadual", afirma Netto. O telhado do imóvel também está bastante danificado.

      Da arte ao mercado

      Em 1996, depois de um restauro, o antigo armazém de cargas (especialmente erva-mate, madeira e animais) foi transformado na chamada "Estação Arte", espaço onde foram realizadas diversas exposições de artistas locais. Em 2007, o prédio passou a ser uma unidade do Mercado da Família, onde pessoas de baixa renda podem fazer compras com valores abaixo dos mercados convencionais.

      A historiadora Isolde Maria Waldmann pesquisou a história de diversos imóveis tombados de Ponta Grossa e lamenta a perda do espaço de cultura. "Era um lugar bonito, grande, com boa iluminação e que havia sido restaurado justamente para servir como galeria de arte."

      Dos três imóveis, apenas a antiga Estação Paraná – ao lado do armazém – tem uma finalidade cultural que vai além das paredes. Desde 1995, ela abriga a Casa da Memória Paraná, onde a população pode pesquisar jornais, fotografias, livros e outros materiais que contam a história de Ponta Grossa e das próprias ferrovias. Nos fundos, está em exposição permanente uma Maria-Fumaça com mais de 70 anos, bastante afetada pelo vandalismo e pela ação do tempo.

      No auge, fábricas viravam escola de ferroviários

      Em 1940, quando Ponta Grossa vivia o auge do transporte ferroviário, os barracões de uma antiga fábrica de pregos foram transformados na Escola Coronel Tibúrcio Cavalvanti. Mantida pela RFFSA, ela oferecia cursos de formação para jovens interessados em trabalhar na própria Rede. "Era o maior orgulho para o pai que trabalhava na ferrovia quando os filhos seguiam o mesmo caminho", ressalta a historiadora Isolde Waldmann.

      Com o tempo, a escola também passou a oferecer cursos profissionalizantes em diversas áreas para as famílias de ferroviários e para a comunidade. "Tive um filho que se formou em marcenaria na ‘Tibúrcio’. Até hoje ele fabrica brinquedos em madeira", conta Isolde.

      A escola foi desativada em 1971. Ao contrário dos demais imóveis, adquiridos pela prefeitura, a escola sempre pertenceu à iniciativa privada. "Houve uma época em que o governo municipal cogitou a aquisição, mas ela acabou não ocorrendo", diz a historiadora.

      Ano passado, a parte interna do imóvel foi demolida para a construção de um condomínio formado por três prédios, mas a fachada – tombada pelo município – foi toda mantida. A obra tem todas as liberações do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural.

      "A manutenção de uma fachada histórica demanda mais esforço, mas vale a pena. Estamos ajudando a manter viva uma parte da história da cidade", afirma o arquiteto responsável pela obra, Luiz Eduardo Carvalho da Silveira.

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