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Segunda Guerra Mundial

O sobrevivente da praça

Eronides Cruz: 40 anos cuidando do P-47 | Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
Eronides Cruz: 40 anos cuidando do P-47 (Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo)
Veja que o P-47 que voou na Itália já sofreu algumas alterações estruturais |

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Veja que o P-47 que voou na Itália já sofreu algumas alterações estruturais

Para muitos curitibanos, a Praça do Expedicionário, no Alto da XV, é simplesmente "a praça do avião". E que avião – um P-47D Thun­­derbolt, que combateu na Segunda Guerra Mundial, pilotado por brasileiros. Na próxima sexta-feira, es­­se monumento único no Brasil completa 40 anos em seu lugar de honra. O país tem outras dessas relíquias de guerra, mas estão em museus ou bases aéreas. Nenhum P-47 está assim tão acessível ao público quanto o de Curitiba.

Eronides Cruz, veterano do 1.º Grupo de Aviação de Caça, sergipano radicado em Curitiba, percebeu, na década de 60, que a base da Aeronáutica no Bacacheri tinha dois P-47. "Um estava inteiro, e o outro já tinha começado a ser desmontado para a Escola de Especia­listas". E veio a ideia: por que não enfeitar a praça vazia, na frente da Casa do Expedicionário, com o avião que ainda seguia intacto?

Mas havia problemas logísticos, burocráticos e financeiros. A burocracia foi o de menos: o comando da base e a Legião Para­­naense do Expedicionário se en­­tenderam rapidamente e o avião foi doado. Veio o novo desafio, como levá-lo do Bacacheri ao Alto da XV? Uma fábrica de telas que tinha caminhões e guindastes para transporte pesado entrou em cena, junto com uma empresa de estruturas metálicas, que fez o suporte no qual o P-47 continua até hoje. Tudo pago em prestações a perder de vista, já que a Legião tinha dificuldades de caixa. "Na época sugeriram colocar o avião no chão. Eu não quis. Disse que, se fosse para o Thunderbolt virar parquinho, que ficasse no Bacacheri para ser desmontado", afirma Cruz. E, assim, em 23 de outubro de 1969, uma quinta-feira de chuva em que se comemorou o Dia do Aviador, o coronel Adélio Conti, presidente da Legião, e o brigadeiro Délio Jardim de Mattos, comandante da base do Bacacheri, inauguraram o P-47 em posição de voo.

Vandalismo

Sob o monumento, foram plantados arbustos para montar uma cena na qual o Thunderbolt sobrevoaria uma região de mata. E a natureza conspirou para tornar realidade o medo do veterano de que o avião virasse parquinho. Cruz já nem se lembra exatamente quando foi. "Acho que faz uns vinte anos", estima. Uma das árvores cresceu e permitiu que vândalos subissem no P-47. "Quebraram o canopi (a bolha de acrílico que protege o piloto), roubaram instrumentos e ainda encheram o interior de jornal e botaram fogo. Felizmente o avião não se incendiou", recorda. O que sobrou do painel foi para o Museu do Expedi­cionário. Cansado de pedir à prefeitura que cortasse a árvore, Cruz buscou a Força Aérea e derrubou ele mes­mo a "escada de vândalo".

Reformar o canopi deu mais tra­­balho que levar o avião do Ba­­cacheri para a praça. Uma empresa que fazia toldos para pontos de ônibus fez o molde. "O Centro Téc­­nico Aeroespacial de São José dos Campos (SP) fez duas peças, mas mandaram para o Rio de Ja­­neiro. Lá, ninguém sabia do paradeiro do nosso canopi. O CTA perdeu o molde e só achou anos de­­pois. No fim, uma empresa de La­­goa Santa, em Minas, fez o serviço", conta Cruz. Demorou, mas o Thun­­derbolt estava inteiro de novo.

Assédio

Um P-47 assim, em ótimo estado, em praça pública? Não faltou quem quisesse tirá-lo de lá: civil, militar, pessoa física ou jurídica. "Uma vez fui ao Rio falar com o di­­re­­tor do Museu Aeroes­­pacial. Ele me disse ‘avião assim não é para estar em praça, tem de estar em museu’ – o dele, de preferência", recorda Cruz. A TAM, quando mon­­tava o acervo para seu museu no interior paulista, fez uma proposta indecente: levar o Thun­derbolt e substituí-lo por uma réplica em material moderno, mais leve. A Legião nem deu bola.

E, quando Vicente Vasquez, um entusiasta da aviação de caça brasileira, veio a Curitiba, tirou fotos e as publicou na internet, foi a vez de colecionadores norte-americanos oferecerem algumas centenas de milhares de dólares. Nenhuma proposta foi suficiente para levar embora o P-47. "Amigos meus às vezes vêm fazer algum comentário e dizem ‘o seu avião isso, o seu avião aquilo’. Meu coisa nenhuma. Não é meu, não é da Legião, agora ele é dos curitibanos". E é melhor que cuidemos bem dele pelos próximos 40 anos – ou bem mais que isso.

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