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O último dos tropeiros

Ainda menino, Otávio dos Reis se encantou com o mundo tropeiro. A fazenda onde morava em Porto Amazonas, nos Campos Gerais, servia como pouso de tropas. Ver todos aqueles homens tomando chimarrão e conversando ao redor de mulas e cavalos mexia com a imaginação de Otávio.

A vontade era tanta que um tropeiro chamado Aparício tentou convencer o pai, Olímpio, a permitir que o garoto seguisse estrada afora. Mas ele era "muito menino" para isso. Aborrecido, Otávio pensou que seu sonho jamais se tornaria realidade. O desânimo foi tanto que seu pai chamou o tropeiro Afonso Antônio Ferreira, casado com uma das irmãs de Otávio, para conversar e permitiu que o filho viajasse com as tropas. Com apenas 14 anos, em 1928, ele deu os primeiros passos em um mundo tomado por muares (mulas), chimarrão, poncho e chapéu.

Hoje, centenário, Otávio é um dos últimos tropeiros vivos que percorreu a tradicional rota entre Viamão, no Rio Grande do Sul, e Sorocaba, no interior paulista. Ele foi o caçula da tropa que trouxe das terras gaúchas cerca de 600 muares para serem comercializados no estado paulista. Foram três meses de viagem em pleno inverno. "Não tinha levado muita roupa. O frio era muito forte. Durante as noites dormidas nos acampamentos, os demais faziam a cama em volta da minha para me aquecer."

A primeira das cinco viagens que realizou de Viamão a Sorocaba foi inesquecível. Logo na primeira vez, recebeu a missão de ser o madrinheiro da tropa. Ele conduzia o cavalo que ia à frente com o cincerro (uma espécie de sino) batendo para orientar a tropa. "As mulas obedeciam ao barulho do sino e me seguiam." A missão foi tão bem feita que nas outras empreitadas ele continuou no posto.

Propina e fim do ciclo

Ao longo das viagens, o único local fechado em que as tropas dormiam geralmente era uma fazenda em Ponta Grossa. Quando pernoitavam nos acampamentos era crucial manter um peão acordado. "Havia pontos em que os índios nos roubavam enquanto dormíamos. Tinha que manter um fogo alto e bem aceso", recorda Otávio.

Em um dos pontos um "índio velho" cobrava 2 mil réis para deixar as tropas em paz. "Se a gente não pagava, ele dava um assobio alto e os demais já vinham nos amedrontar." Para comer, levavam uma cumbuca cheia de paçoca – mistura de carne seca com farinha de mandioca. "Em outros pontos, a gente comia em fazendas. Mas tinha que pagar", relata.

As tropas ficavam paradas em um mesmo local por 15 dias "porque as mulas não aguentavam". "A gente também vendia mulas no meio do caminho, como em Ponta Grossa."

Aos 21 anos, em 1935, Otávio fez sua quinta e última viagem como tropeiro. O comércio de muares em São Paulo já chegava ao fim. Mas como o rapaz parecia ter nascido em cima de um cavalo, continuou conduzindo bois para Mato Grosso Sul e São Paulo até perto dos 70 anos.

Tropeirismo teve quase dois séculos de força econômica

O historiador Arnoldo Monteiro Bach, autor do livro "Tropeiros", explica que a última Feira de Sorocaba ocorreu em abril de 1897, conforme noticiou o jornal 15 de Novembro de Sorocaba: "Esteve muito animada este ano (1897) a tradicional feira de bestas desta cidade". No entanto, o comércio de muares continuou até a década de 30. "O muar era o motor da economia brasileira. Quem adquiria um muar tinha um patrimônio, tamanha sua utilidade", ressalta.

O movimento tropeiro, que começou por volta de 1730, teve seu ápice em 1897. Depois disso o volume de tropas se reduziu, mantendo certa frequência até 1915 e rareando cada vez mais com o passar dos tempos. O caminho Viamão-Sorocaba era a principal rota do tropeirismo.

Bach conta que as mulas eram usadas até como tração de bondes. "Em 1900, a Companhia de Bondes São Cristóvão, do Rio de Janeiro, que atendia a Zona Norte, com 60 quilômetros de extensão de linhas, contava com 150 bondes de diversos tipos, 2 mil animais e 600 empregados." Com o surgimento dos motores a diesel, os muares perderam terreno para os equipamentos motorizados.

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