Rubens e Eulália vieram de Pernambuco para o Paraná em 1953 e dizem não ter sofrido preconceito por aqui| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Pobreza

Discriminação é maior pela classe social

O técnico-químico aposentado Rubens Gonçalves de Almeida, que saiu de Pernambuco em 1953 com a esposa, Eulália, e os nove filhos para trabalhar em uma usina de açúcar em Porecatu (Norte do Paraná), não sentiu preconceito em relação à região onde morava. Aposentado em 1980, mudou-se para Curitiba e acredita que a discriminação maior ocorre pela classe social. "Sempre fui muito bem tra­­tado, mas vim com um emprego fixo e mantive as condições que tinha em Pernambuco. Todos os meus filhos têm curso superior e não sentiram preconceito. Mas com os pobres, sempre existe. Por isso creio que as pessoas da Região Sul acabam tendo uma visão distorcida sobre os nordestinos e o Bolsa Família, que fez muita gente que não comia se alimentar."

Jovens

O sociólogo Marco Rossi enfatiza o preconceito crescente entre os jo­­vens. "Eles são competitivos e têm a ideia de que precisam matar um leão por dia. Quando pensamentos de igualdade são colocados, há um ofuscamento deste ideal. Vemos uma sociedade mais reacionária, que precisa derrubar o outro para se sobressair. Ouvi absurdos em sa­­la de aula, desqualificando a candidata Dilma e a colocando até como desquitada." A professora Etiane Ca­­loy ressalta que esse discurso dos jovens na internet é pautado pe­­lo paternalismo e reproduzido de geração em geração. "Não é algo novo. Ele pega um discurso que já existia para desqualificar o outro."

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"Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado."

"Valeu nordeste, mais quatro anos vivendo nas nossas costas."

"Sou bem a favor de um muro separando sul/sudeste do norte/nordeste."

Frases postadas no Twitter e Facebook

"Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado". A mensagem postada no Twitter por uma estudante de Direito de São Paulo, que assinou como Mayara Petruso, na madrugada da segunda-feira, depois do resultado da eleição presidencial, terá desdobramentos. A Ordem dos Advogados do Brasil de Pernambuco (OAB-PE) vai entrar com uma notícia-crime contra ela no Ministério Público Federal, hoje, em São Paulo, visando à abertura de ação penal pelos crimes de racismo e por incitação à prática de homicídio na internet.

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Se o MPF decidir que a reivindicação é cabível e a estudante vir a responder formalmente a uma ação penal pública, poderá ser condenada a uma pena de dois a cinco anos de prisão e multa. Ela é apontada pela OAB-PE como uma das responsáveis pela onda de manifestações de preconceito contra nordestinos, surgida na internet depois do anúncio da vitória de Dilma Rousseff.

Depois de postar e provocar reações favoráveis e desfavoráveis, ela se desculpou e cancelou seu perfil. "Tarde demais", afirmou o presidente da OAB-PE, Henrique Mariano. "O crime de racismo, previsto na legislação, é imprescritível e inafiançável e é preciso reagir a esse tipo de coisa". Para ele, com esta atitude a OAB busca dar um exemplo e mostrar que a internet não pode ser um campo de impunidade. "As pessoas têm que se responsabilizar pelo que defendem e postam", afirmou ao lembrar que as redes sociais têm forte repercussão e são meios de comunicação a exemplo de emissoras de televisão e jornais impressos.

A seu ver, a estudante contrariou todos os princípios da ética que um profissional do Direito deve preservar. O crime de racismo é previsto no Artigo 20 da Lei 7.716, Constituição de 05/01/1989 – "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional". Já o crime de incitação pública à prática de ato delituoso é mais brando, prevê detenção de 3 a 6 meses ou multa.

Segundo Henrique Mariano, a notícia-crime visa, em um primeiro momento, apenas a estudante de Direito, que está identificada. Mas poderá se estender a outras pessoas que também postaram mensagens atacando os nordestinos, como "Valeu nordeste, mais quatro anos vivendo nas nossas costas" e "Sou bem a favor de um muro separando sul/sudeste do norte/nordeste".

O jurista René Dotti considera injusto que essas pessoas sejam penalizadas por um eventual crime de preconceito. "Houve ofensa, mas sem dolo ou intenção de causar o mal. Esse problema cessa com o discurso de pacificação da presidente eleita, de que não vai existir preconceito e de que necessita de todos os brasileiros para governar."

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Impulso

Para especialistas, o tom de acusação durante a campanha entre Dilma Roussef e José Serra foi um dos impulsionadores para que opiniões reacionárias se proliferassem na rede. "Involuímos anos em questões que demoramos para avançar milímetros, como a descriminalização do aborto. Uma das coisas mais vergonhosas da política brasileira de todos os tempos", opina o doutor em Ciências Sociais e professor da PUC-SP, Leonardo Sakamoto.

O professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Esta­­dual de Londrina (UEL), Elve Cenci, diz acreditar que os argumentos nas redes sociais mostram, ainda, falta de informação, já que Dilma ganharia mesmo sem os votos do Nordeste. "O Nordeste tem taxas de crescimento chinesas. Cai por terra de que só há transferência de renda por meio dos programas sociais. Este preconceito é grave e precisa ser discutido, para que não evolua para eventos mais drásticos." O sociólogo e professor da Universidade Norte do Paraná (Unopar), Marco Rossi, lembra que a candidata não ganhou so­­mente entre os pobres. "Em­­presários, universitários, estudantes. Todas as classes votaram na candidata nesses estados."

A professora do curso de História da PUCPR Etiane Caloy explica que a possível origem deste preconceito entre Nordeste/Sul começou no Brasil Colônia, quando mitos como o da preguiça, do "não gostar" de trabalhar e do país tropical começaram a ser disseminados. "A colonização no Nordeste, com os portugueses, colocou que o trabalho braçal deveria ser realizado por terceiros, ao contrário do Sul, que teve colonização de países europeus que instituíram a ideia de trabalho próprio."

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