Após pressão vinda de diversos advogados que tiveram suas prerrogativas violadas, no dia 19 de novembro presidentes de dez seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediram providências ao Conselho Federal da entidade quanto a uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. No ato em questão, o ministro, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ordenou o bloqueio de contas bancárias de 43 pessoas e empresas sob a alegação de os alvos estarem supostamente financiando manifestações contra o resultado das eleições pelo Brasil.
Os presidentes das seccionais disseram, em ofício, que o acesso aos autos do processo estava sendo dificultado para advogados que representam as pessoas e empresas investigadas, e que tal acesso estaria ocorrendo somente de forma presencial no gabinete de Moraes em Brasília, com documentos físicos.
Em protesto contra a violação de prerrogativas, um grupo de 4,3 mil advogados também decidiu pressionar o Conselho Federal da OAB com pedido de providências encaminhado na última terça-feira (22) ao presidente, Beto Simonetti. Além do caso citado, os signatários apontam outros episódios recentes em que Alexandre de Moraes estaria intencionalmente dificultando o acesso dos advogados aos documentos do processo, o que compromete a atuação das defesas.
Moraes tem mantido linha excessivamente dura contra dezenas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que são investigados em inquéritos tocados pelo próprio STF. Tal conduta é alvo de questionamentos diversos quanto à sua legalidade – recentemente reportagem do New York Times, principal jornal norte-americano, questionou ações do ministro e definiu parte delas como “alarmantes”.
No entanto, apesar da insistência de longa data, a OAB Nacional tem optado por ignorar os pedidos de posicionamento. Em relação ao pedido das seccionais e do grupo de mais de 4 mil advogados, não houve nenhuma manifestação concreta da entidade até agora. Conforme apurou a reportagem, a presidência da entidade costuma prometer reservadamente aos profissionais tomar atitudes, mas na prática quase nada ocorreu até o momento.
Destaca-se, no entanto, que além de ser a entidade máxima da advocacia, a OAB possui a função legal, segundo lei conhecida como Estatuto da Advocacia e da OAB (8.906/94), de defender a Constituição Federal e a ordem jurídica. Assim, além da defesa de prerrogativas, também cabe à instituição, por exemplo, posicionar-se pelo devido processo legal quando forem identificados excessos por parte do Judiciário.
Atos abusivos
O chamado inquérito das fake news (4.781) – no qual vários investigados já estão cumprindo medidas como uso de tornozeleira eletrônica e proibições diversas, como usar redes sociais, dar entrevistas e deixar suas cidades sem autorização judicial –, foi um dos primeiros atos de Moraes contra apoiadores de Bolsonaro.
Desse inquérito surgiram outros, como o dos atos antidemocráticos (4.828) e das milícias digitais (4.874). Em todos eles, os advogados dos investigados estão há mais de dois anos fazendo seguidas petições ao ministro para terem acesso na íntegra aos autos.
O inquérito-mãe mencionado apura a existência de suposta organização dedicada a cometer crimes contra a honra (injúria, difamação e calúnia) de autoridades, em especial ministros do Supremo. A investigação é alvo de críticas, sobretudo pelo fato de os ministros que, em tese, são vítimas dos crimes alegados, serem também os condutores das investigações. Além disso, o objeto do inquérito é indefinido, sem indicação do fato específico a ser investigado – tal medida é abusiva e incompatível com as liberdades constitucionais.
Há, ainda, uma série de outras medidas empregadas por Moraes, algumas delas validadas por outros ministros em Plenário, vistas como abusivas, como a abertura de inquéritos de ofício (por iniciativa própria do ministro, sem haver provocação por parte do Ministério Público ou da Polícia Federal) com ausência de provas de atos criminosos e demora incomum da tramitação.
Um desses exemplos é a investigação contra oito empresários que teriam afirmado em um grupo de mensagens preferir um golpe de Estado do que um novo mandato de Lula (PT). Mesmo sem a existência de qualquer articulação de um suposto golpe – apenas com a opinião expressa nas conversas privadas – a operação foi determinada por Moraes sem a notificação da Procuradoria-Geral da República (PGR), ao contrário do que prevê a legislação.
O inquérito continua em andamento mesmo após um fundamentado pedido de arquivamento assinado pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araujo, que apontou uma série de vícios e inconsistências na decisão de Moraes. No documento, a procuradora apontou uma série de vícios e inconsistências na decisão de Moraes, como o uso da chamada “pesca probatória”, uma autoconcessão de poder ilimitado de buscar provas, também considerada inconstitucional.
Mais recentemente, durante a campanha eleitoral, o TSE decretou censura prévia ao impedir a exibição do documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?” e atribuiu a si próprio poder de polícia para remover da internet, sem provocação de qualquer parte ou do Ministério Público, perfis e canais nos quais considere haver “desinformação sistemática”.
Em outra medida antidemocrática, a Corte ordenou o bloqueio judicial de perfis nas redes sociais de políticos e cidadãos comuns que apresentassem publicamente pedidos de esclarecimentos sobre as urnas eletrônicas. A medida foi apontada como inconstitucional por juristas.
Frente aos reiterados abusos, o grupo de advogados que encaminhou pedido de providências à OAB na última terça-feira argumentou, na nota, que “o Brasil já está vivendo a mais absoluta insegurança jurídica de sua história, conduzida com mãos de ferro por alguns ministros do STF, em especial o Sr. Alexandre de Moraes”.
O grupo diz, ainda, que o Conselho Federal da OAB “não pode se calar diante disso tudo, sob pena de ter registrada em sua história a marca do mais profundo desamparo aos advogados e à sociedade brasileira”.
O que a OAB poderia fazer frente às ilegalidades
Na avaliação de José Roberto Mello Porto, doutor em Direito Processual e defensor público do Rio de Janeiro, uma primeira e imediata ação empregada pela OAB Nacional poderia ser uma reprovação institucional quanto às ações empregadas pela cúpula do Judiciário. “Seria o caso de uma nota de repúdio, ou de uma manifestação por parte do presidente ou membros da diretoria. Essas manifestações têm o papel de reforçar que há mais gente enxergando o que está ocorrendo. Isso não geraria um efeito jurídico imediato, mas um efeito moral, uma certa pressão institucional”, explica Porto.
Outra possibilidade de atuação seria a aproximação de representantes da entidade junto a ministros para defender as prerrogativas. No início deste ano, a seccional paulista da OAB tentou agendar reunião com Alexandre de Moraes para debater os abusos, porém o ministro negou o encontro. Diante disso, a seccional buscou o Conselho Federal da entidade, que prometeu entrar no caso para pressionar por uma conversa com Moraes – até o momento, entretanto, nada foi feito.
“Essa aproximação com ministros seria uma postura institucional efetiva de garantir o diálogo com o Judiciário. Uma coisa é um advogado tentando despachar com o ministro. Ele tem seu direito, claro, mas outra coisa é o próprio órgão de classe da advocacia, com todo o simbolismo histórico, participar e fazer esse vínculo”, diz Porto.
Haveria, ainda, a possibilidade de atuação da entidade por meio da impetração de um mandado de segurança, que tem a função de garantir direitos ameaçados ou violados por autoridades públicas, para salvaguardar dispositivos constitucionais e legais.
Exemplos desses dispositivos seriam o artigo 133 da Constituição, que trata da indispensabilidade do advogado para a administração da justiça; o artigo 7 do Estatuto da Advocacia, que versa sobre direitos dos profissionais de Direito e violações de suas prerrogativas; e a Súmula Vinculante 14, do próprio STF, que cita ser direito do defensor, no interesse do representado, “ter acesso amplo aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Omissão da OAB é “retrocesso conveniente”
Para o advogado Emerson Grigollette, integrante do Movimento Advogados do Brasil e responsável pela defesa de investigados nos inquéritos sigilosos tocados pelo Supremo mencionados nesta reportagem, os recentes casos de cerceamento do direito de defesa, bem como de invasão de competências por parte do Judiciário, denotam o esvaziamento da Constituição por parte de ministros.
“O que diferencia uma democracia de uma ditadura é o direito de defesa. E a partir do momento que se tira das pessoas até mesmo os instrumentos jurídicos necessários para fazer suas próprias defesas, isso começa a assinalar que o sistema inteiro está ruindo”, afirma Grigollette.
Mello Porto aponta visão semelhante e lamenta que, além da OAB, outras instituições essenciais ao sistema democrático, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, também estejam evitando se posicionar enfaticamente contra os abusos do Judiciário. “Estamos substituindo o critério da legalidade, que é uma garantia do Estado de Direito para qualquer acusado, por um juízo de conveniência, que é um juízo subjetivo e que gera invariavelmente esse senso de injustiça e de incompreensão para leigos e juristas”.
Para o jurista, a atual polarização política entre direita e esquerda tem feito com que parte das instituições e juristas façam vista grossa frente às medidas abertamente inconstitucionais. “Esse silenciamento é, no fundo, um retrocesso colossal para o nível do regime de exceção da ditadura contra o qual a OAB, por exemplo, lutou com todas as suas forças. E é um retrocesso conveniente para alguns, que consideram essas medidas ideologicamente oportunas”, diz o defensor público. “Então me parece que falta algum nível de maturidade às instituições para defender – custe o que custar, goste ou não – as garantias constitucionais”, enfatiza.
Outro lado
A Gazeta do Povo entrou em contato com o Conselho Federal da OAB com pedido de informações sobre os apontamentos feitos nesta matéria. Em resposta, a assessoria da entidade enviou a seguinte nota:
"O Conselho Federal da OAB tem atuado para garantir o pleno exercício de defesa pela advocacia, sempre que demandado ou alertado sobre violações a prerrogativas profissionais. Em relação ao caso citado, a OAB vem trabalhando incansavelmente no STF pela concretização do direito de acesso aos autos, nos termos do artigo 7º da Lei nº 8.906/94, que garante o exame do processo pela defesa. Isso tem sido feito por meio do diálogo institucional, do envio de petições e da realização de despachos. Ressaltamos ainda que a atuação pela efetivação de prerrogativas, direitos e garantias da advocacia, em todas as instâncias, é um compromisso do Sistema OAB definido em lei e ação prioritária da entidade".
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