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Após denúncias feitas pela seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e por advogados responsáveis pela defesa das centenas de pessoas presas sob acusação de participarem dos atos de vandalismo do último domingo (8), na noite desta quinta-feira (12) o presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, reuniu-se com o ministro Alexandre de Moraes, que ordenou as prisões, para tratar dos mencionados abusos. Também participou da reunião o presidente da OAB-DF, Délio Lins e Silva Jr.
Os presidentes manifestaram a Moraes preocupação com violações às prerrogativas da advocacia e com o tratamento dispensado aos presos. Após o encontro, Simonetti e Silva Jr. afirmaram que pedirão ingresso das entidades como amicus curiae nos inquéritos sob relatoria de Moraes que tratam dos protestos do último domingo.
“Vamos reforçar os requerimentos por meio de petições nos processos, assim como fizemos em diversos outros casos em que atuamos para assegurar acesso aos autos para os advogados de investigados nesses inquéritos”, disse Simonetti após a reunião.
“Externamos ao ministro nossas preocupações em relação à garantia das prerrogativas da advocacia, que vem atuando em centenas de casos, bem como no que se refere aos problemas que estão ocorrendo em razão da realização de audiências de custódia, ao acesso aos autos e, especialmente, aos respectivos clientes que se encontram nas unidades prisionais, maior foco de reclamações”, declarou o presidente da seccional do DF.
Entenda as ilegalidades denunciadas por advogados
Na terça-feira (10), o Supremo Tribunal Federal (STF) montou uma força-tarefa para realizar as audiências em modo virtual de cerca de 800 manifestantes presos. Por decisão de Moraes, as audiências ficaram a cargo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
É de entendimento do próprio STF que a audiência de custódia deve ser feita em até 24 horas após a prisão, como forma de respeito a direitos fundamentais. Apesar disso, centenas de pessoas presas no domingo (8) e na segunda-feira (9) ainda aguardam a realização das audiências.
Entre as outros abusos apontados pela OAB-DF e por advogados estão:
- Advogados estariam tendo o acesso aos seus clientes dificultado. Vários tem passado várias horas em frente ao Complexo Penitenciário da Papuda e à Penitenciária Feminina do Distrito Federal, onde os presos estão mantidos, sem conseguirem contato.
- Juízes estariam condicionando a presença do advogado na audiência à apresentação de procuração para representar o custodiado. No entanto, na maioria dos casos isso não é possível por ainda não ter havido nenhum contato entre o defensor e o acusado. Sem a procuração, magistrados estariam passando as defesas diretamente para defensores públicos.
- Magistrados não estariam iniciando a audiência com o questionamento aos custodiados sobre terem ou não advogado constituído. Sem a informação, estariam direcionando as defesas para defensores públicos, mesmo os presos tendo um advogado contratado para tal finalidade.
- Juízes estariam conduzindo os atos mesmo sem acesso aos autos de prisão em flagrante, ou seja, sem o conhecimento das circunstâncias da detenção e sem saber se a pessoa possui advogado constituído.
- Pessoas detidas no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, no dia seguinte aos protestos, foram presas em flagrante mesmo não tendo sido dessa forma e sem provas de que elas teriam de fato participado dos episódios de violência ou cometido os crimes descritos por Moraes na ordem de prisão.
- Advogados não possuem acesso aos autos do processo. A dificultação do acesso aos autos em inquéritos conduzidos por Moraes contra apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) é um problema relatado por dezenas de advogados e chegou a motivar uma das raras manifestações do Conselho Federal da OAB contra a medida após pressão de dez secionais da entidade.
- As audiências estariam sendo feitas apenas por formalidade, já que comumente na audiência de custódia os juízes analisam a legalidade da prisão e a regularidade do flagrante e decidem pela continuidade ou não da detenção. Nos casos em questão, a atuação dos juízes está restrita à realização das audiências, sendo que a decisão de liberação ou não dos presos competirá, exclusivamente, a Alexandre de Moraes.
Em ofício enviado à presidência do TRF1, a OAB-DF alegou que há “premente ocorrência de graves nulidades na realização de audiências de custódia” delegadas pelo STF, o que contraria o devido processo legal e configura nulidade processual.
Advogados questionam abusos e pedem providências mais claras da OAB
Desde quarta-feira (11), quando tiveram início as audiências de custódia, as dependências da seccional do DF permanecem com dezenas de advogados pedindo providências quanto aos abusos. Os defensores apontam para a nulidade processual devido ao descumprimento da lei pelo Judiciário.
“Audiências de custódia pro forma onde não se decide nada, sem observar, portanto, sua finalidade. Prazos processuais não observados. Devido processo legal não observado em escala inimaginável”, questiona um dos advogados.
Há, também, pedidos por uma postura mais contundente da OAB Nacional frente aos abusos. “Gostaria de saber quando a OAB vai denunciar o ministro Alexandre de Moraes por abuso de autoridade. O que está acontecendo é um absurdo, uma violação a direitos fundamentais numa escala nunca antes vista. Essa postura complacente da OAB jamais será esquecida”, lamenta outro advogado.