A decisão da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) de restringir entrevistas concedidas por advogados das seccionais é vaga e suscetível a interpretações subjetivas, o que, para juristas, pode gerar perseguição de profissionais. A ementa, aprovada em outubro pela 1ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB-SP, proíbe advogados de “responder com habitualidade consultas sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social”.
A justificativa que consta no texto da ementa é que a participação habitual de advogados em programas de rádio representaria uma despropositada promoção pessoal. Dessa forma, essa postura tornaria a concorrência desleal com advogados que não possuem as mesmas oportunidades. Além de ser vago, o texto ainda é confuso por, em um trecho, limitar as entrevistas para “programas de rádio” e, em outro, generalizar com “meios de comunicação social”.
“Parece-me virtualmente impossível controlar com o mesmo rigor todos os meios de comunicação – como televisão, rádios, jornais, blogs, etc. – e todas as redes sociais, em todo o país, para praticamente 380 mil de advogados existentes em São Paulo. O risco de um combate seletivo, nesse cenário, é evidente”, avalia Bruno Coletto, doutor em Direito pela UFRGS.
Silenciamento de advogados contrasta com ações de ministros do STF
“Será ético que juízes falem na imprensa e advogados não? Não será suficiente o silêncio da entidade, desejará também o silêncio dos advogados?”, questionou André Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, em seu perfil no X. A Gazeta do Povo já mostrou que os ministros do Supremo Tribunal Federal têm usado a mídia para manifestar opiniões parciais.
Apesar de o Código de Ética da Magistratura determinar que os magistrados preservem o sigilo sobre casos em julgamento, ministros do STF frequentemente enviam mensagens informais à imprensa ou concedem entrevistas, influenciando o cenário político e jurídico nacional.
Bruno Coletto alerta que a proibição da OAB-SP pode trazer mais malefícios diante do cenário jurídico do Brasil, de relativização de conceitos democráticos como liberdade de expressão e imunidade parlamentar. “O jurista, ao falar com a imprensa, qualifica o debate público. Além disso, tolher a participação em entrevistas, me parece, viola não apenas a liberdade de expressão, do ponto de vista do advogado, e a liberdade de imprensa, do ponto de vista do jornalista, mas também a própria liberdade de cátedra. Como ensinar e aprimorar o direito sem promover um debate público e democrático sobre ele?”, pontua Coletto.
O jurista complementa que “infelizmente, temos presenciado várias situações onde a advocacia tem visto sua capacidade de usar a palavra tolhida ou reduzida. O que surpreende, neste caso, é o fato de que a limitação venha da própria entidade que deve defender a advocacia, e o faça de modo amplo, realmente gerando dúvidas e insegurança jurídica”.
A assessoria da OAB-SP esclareceu que a ementa possui caráter exclusivamente consultivo, baseada em normas já existentes. Segundo a entidade, a 1ª Turma do TED, também chamada de Turma Deontológica, não tem função jurisdicional, limitando-se a prestar consultorias. A OAB-SP destacou ainda que a ementa foi elaborada em resposta a uma consulta específica feita por uma subseção do interior do estado, não configurando decisão judicial ou acórdão.
Ementa genérica deve levar OAB-SP a analisar casos individualmente
Ana Luiza Rodrigues Braga, doutora em Teoria do Direito pela USP e associada ao Levy e Salomão Advogados, destaca que a formulação genérica da ementa levará a OAB-SP a avaliar cada caso de maneira individualizada. “Essa orientação do tribunal de ética é muito genérica, é vaga. O que nos mostra, na verdade, é que isso vai acabar sendo visto caso a caso, como a própria OAB-SP já se manifestou. Ou seja, ela vai avaliar se aquela participação em específico viola ou não algum paradigma ético”, analisa.
Segundo a jurista, a aplicação da norma deve se concentrar mais na frequência das aparições na mídia do que necessariamente no conteúdo das declarações feitas pelos advogados.
O Código de Ética da OAB, em vigor desde 1995, já regulamenta sobre o tema da autopromoção por meio de entrevistas a meios de comunicação. De acordo com o artigo 32 do documento, a eventual participação de advogados na imprensa deve ter “objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional”. O dispositivo ressalta que é proibido o pronunciamento sobre métodos de trabalhos usados por outros colegas de profissão e que deve evitar o “debate de caráter sensacionalista”. Para Rodrigues Braga, o Código de Ética da OAB deve ser uma garantia de que os advogados não possam ter o conteúdo das falas controlado.
OAB-SP levanta suspeitas de possível aparelhamento
A atuação da OAB-SP tem levantado suspeitas de possível aparelhamento, exemplificadas pelo caso do jurista Ives Gandra Martins, que em breve terá o julgamento de um recurso de uma representação disciplinar por suposta incitação à golpe de Estado, no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP.
A denúncia, apresentada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), usa uma troca de e-mails divulgada pela Polícia Federal para dizer que Gandra teria participado de ações antidemocráticas. Em dezembro de 2023, a 6ª Turma do TED concluiu que o jurista não cometeu infração, mas agora um recurso deve ser julgado. Questionada sobre a data do julgamento, a OAB-SP afirmou que, por se tratar de um processo sigiloso, não fornecerá informações.
O presidente eleito da OAB-SP, Leonardo Sica, que ocupa o cargo de vice-presidente na atual gestão, tem perfil de esquerda e progressista, segundo advogados ouvidos pela Gazeta do Povo em novembro. “Eles dizem que não, mas é uma chapa bastante alinhada à esquerda e que mantém relacionamento com políticos da esquerda. Nos bastidores, isso influencia o ambiente jurídico brasileiro”, afirmou um dos profissionais à reportagem.
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