Quase um ano após o anúncio oficial das 12 cidades-sede da Copa do Mundo do Brasil, em 2014, apenas 9% dos principais projetos de mobilidade urbana e infraestrutura começaram a ser executados no país e só 5% estão prontos. A maior parte em torno de 72% está na etapa de projeto, de acordo com levantamento da Gazeta do Povo em 10 das 12 sedes. Quanto maior a demora para iniciar as obras, menor será o legado deixado pelas intervenções. Legado, aliás, que foi o argumento principal para trazer o Mundial ao país. Ainda não é possível afirmar que o Brasil está atrasado, mas a dificuldade para iniciar as intervenções virou motivo de preocupação.Mesmo invisível à população, a elaboração de um bom projeto é essencial para agilizar as obras facilita, inclusive, as licitações. "O projeto é a principal parte de uma execução. Se não estiver bem consolidado, a obra pode atrasar. Não se pode queimar essa etapa", diz Susana Lins Affonso da Costa, técnica da assessoria de assuntos da Copa do Mundo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). À exceção dos complexos esportivos, a maior parte dos municípios não elaborou projetos para a Copa do Mundo, apenas pretende antecipar obras de seus planos diretores, aproveitando o interesse de investidores no evento. Ex-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) e atual presidente do Sinaenco paulista, José Roberto Bernasconi alega que o planejamento poderia estar mais avançado justamente pelas reformas serem convencionais. Era evidente, em sua opinião, a escolha por algumas cidades (São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo). "Já é possível afirmar que perdemos tempo para deixar um grande legado", afirma. "A rigor, temos 48 meses, tempo suficiente para construir estádios e melhorar a infraestrutrura, sobretudo portos e aeroportos", acrescenta.
Conselheiro consultivo e ex-presidente do Instituto de Engenharia do Paraná (IEP), Luiz Claudio Mehl considera atrasado o planejamento nacional. "Perdemos tempo para resolver problemas de mobilidade. É preciso apressar os projetos para que sejam discutidos pela sociedade. Qualquer obra da Copa precisa ser considerada legado, pois a sociedade vai conviver com essas intervenções diariamente", afirma Mehl. E a preocupação está em duas limitações comuns aos projetos cumpridos às pressas: a falta da precisão necessária e o elevado custo a ser pago na execução.
A razão para se chegar a esse ponto, na opinião dos consultores, é a falta de cultura brasileira em elaborar projetos de engenharia. "Curitiba é privilegiada nesse aspecto pela existência do Ippuc e por ter partido de plano diretor há 40 anos", lembra Mehl. A mesma preparação, porém, não é observada na maioria das cidades brasileiras. "Fiquei muitos anos sem ir a Manaus. Voltei há pouco tempo, e o crescimento foi explosivo. Sem projeto urbano, exige-se maior e melhor ordenamento da infraestrutura", alerta. Essa cultura, no entanto, vai ser implantada aos poucos, e a organização de eventos como a Copa do Mundo deve acelerar o aprendizado. "Paciência é fundamental, pois essa cultura será implantada aos poucos", diz Susana.
No entanto, o sinal de alerta precisa ser ligado. No ano passado, uma missão da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) visitou a África do Sul e constatou que a postergação do início das obras impediu que um legado maior fosse deixado. A discussão sobre quem deveria fazer e, principalmente, arcar com os custos das obras atrapalhou a organização do evento. Discussões sobre a responsabilidade de investimento também estão a pleno vapor no Brasil.
O secretário-executivo do Comitê Paraná para Assuntos da Copa do Mundo de 2014, Wilson Portes, se mostra tranquilo e diz, contudo, que o legado não será uma ficção. "Os resultados serão positivos em termos de infraestrutura, hotelaria, restaurantes e turismo. A cidade e o estado terão benefícios importantes", diz. Portes avalia como positiva a situação do Paraná. "Estamos dentro dos prazos e cronogramas na parte estrutural. Creio que 80% estão avançados, precisamos resolver os outros 20%", diz.
Recomendações
As recomendações da Fifa são praticamente exclusivas para os estádios o prazo para início das intervenções venceu na última segunda-feira, dia 3. Quando o tema é mobilidade urbana, a entidade não institui data limite para início das obras. Em e-mail enviado à Gazeta do Povo, a Fifa frisa a necessidade de que os estádios estejam prontos até 31 de dezembro de 2012, a fim de serem usados e, sobretudo, testados na Copa das Confederações, em 2013. Em tese, portanto, o mesmo deveria se aplicar à infraestrutura.
Colaboraram Isadora Rupp e Bruna Righesso