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Tragédia no Rio

Obras eram fonte de polêmica

Flores foram depositadas ontem na Avenida Treze de Maio em memória das vítimas do desabamento, no Rio de Janeiro: pelo menos 13 pessoas continuam desaparecidas | Wilton Junior/Agência Estado
Flores foram depositadas ontem na Avenida Treze de Maio em memória das vítimas do desabamento, no Rio de Janeiro: pelo menos 13 pessoas continuam desaparecidas (Foto: Wilton Junior/Agência Estado)
O corpo de Celso Cabral, de 44 anos, foi sepultado ontem de manhã, em Niterói: simples, humilde e trabalhador |

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O corpo de Celso Cabral, de 44 anos, foi sepultado ontem de manhã, em Niterói: simples, humilde e trabalhador

Apontada como uma das possíveis causas do desabamento do Edifício Liberdade, as obras promovidas pela empresa Tecnologia Organizacional (TO) no 3.º e 9.º andares do prédio eram fonte de polêmica muito antes da tragédia. O condomínio já havia pedido explicações à TO sobre as intervenções que estavam sendo realizadas. Havia preocupação em relação ao entulho e ao peso que o material de construção guardado nas salas da empresa exercia sobre a estrutura do prédio. A queda do edifício na noite de quarta-feira derrubou outros dois e matou pelo menos 15 pessoas até agora. Contratado pela TO, o engenheiro calculista Paulo Sérgio da Cunha Brasil elaborou um laudo limitando-se a informar ao síndico Paulo Renha que os quatro sacos de cimento armazenados no 3.º andar não apresentavam risco à estrutura. Ele negou ter qualquer participação na obra e disse que não foi contratado para fazer avaliações no 9.º andar.

"Havia um questionamento do síndico se aqueles quatro sacos de cimento poderiam provocar dano à estrutura. Eu falei que esse era o peso equivalente a duas pessoas se cumprimentando. Pensei até que era brincadeira. Isso não pode, evidentemente, causar nenhuma avaria", explicou o engenheiro. Cada saco de cimento pesa 50 quilos.

Cunha Brasil destacou que não chegou a identificar um engenheiro responsável pela obra no local. Ele também disse ter achado estranho que Renha não tenha apresentado questionamentos sobre uma parede que ele viu sendo erguida no 3.º andar. "Isso o síndico não questionou. E a parede é mais pesada que os sacos de cimento", disse.

Ainda segundo o engenheiro, todos os pilares do Edifício Liberdade eram externos. Não havia pilares ou vigas no meio das lajes do prédio. A eventual remoção de parede interna, portanto, não provocaria abalo na estrutura do edifício. "Todos os pilares são externos. No meio da laje, não tem pilar e não tem viga. Era uma laje plana", explicou.

Procurado, o advogado Geraldo Beire Simões, que representa o síndico do edifício Liberdade, não retornou as ligações. À TV Globo, ele informou que o laudo sobre as obras no 9.º andar ainda estavam sendo aguardados.

Outro lado

Em entrevista coletiva, Sérgio Alves, um dos sócios da TO, alegou que as obras no 9.º andar tinham começado há apenas oito dias e reconheceu que o laudo pedido pelo síndico não tinha sido entregue, pois o engenheiro Cunha Brasil precisou resolver problemas pessoais. O sócio disse que o síndico foi comunicado e que recebeu uma autorização verbal para iniciar a reforma e entregar o laudo em até 15 dias. Segundo ele, começou então o trabalho de derrubada de paredes divisórias de um banheiro e de retirada de entulho – 80% do material já havia sido removido. Alves reafirmou que o tipo de reforma realizada era de adequação e que não interferia na estrutura e fachada do prédio e que, por isso, não havia necessidade de autorização da prefeitura.

O pedreiro Alexandro da Silva Fonseca, que sobreviveu ao colapso do prédio se escondendo dentro do elevador, confirmou ontem ter derrubado quatro paredes para a realocação dos banheiros no 9.º andar. Fon­seca destacou, no entanto, que os pilares e as estruturas de concreto do andar foram mantidos de pé.

O delegado titular da 5.ª Dele­gacia de Polícia, Alcides Alves Pere­i­ra, que dirige o inquérito criminal sobre a tragédia, informou que os responsáveis pelo colapso dos prédios vão responder por desabamento qualificado, cuja pena vai de dois a quatro anos.

Emoção no enterro de vítimas

Os primeiros corpos das vítimas do desabamento dos três prédios no centro do Rio começam a ser enterrados ontem. Celso Renato Braga Cabral, de 44 anos, que era chefe de recursos humanos da empresa TO, foi enterrado às 10h30 no Cemitério do Maruí, em Niterói, na região metropolitana do Rio. Ao meio-dia, o corpo de Cornélio Ribeiro Lopes, de 73 anos, foi sepultado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, zona sul da cidade. Ele era porteiro do Edifício Liberdade, de 20 andares, o primeiro a desabar.

Morador do bairro do Engenho Pequeno, em São Gonçalo, Cabral tinha um casal de filhos de 17 e 19 anos. O pai dele, também Celso Renato, contou que era de praxe o filho trabalhar até mais tarde. "Ele gostava de colocar tudo em dia", afirmou o pai, muito abalado. "Eu não sei quem são os culpados, mas não quero que aconteça algo assim de novo." Funcio­nários da Tecnologia Organi­zacional (TO), empresa onde Cabral trabalhava, foram ao enterro, mas não deram declarações à imprensa. Cerca de 200 pessoas acompanharam o velório.

Padrinho da vítima, o engenheiro civil José Affonso Barbosa, de 81 anos, conta que o afilhado era simples, humilde e priorizava a boa convivência com os colegas de trabalho. "Eu cheguei a oferecer um emprego para ele ganhar mais, mas ele não aceitou. Disse que estava feliz trabalhando na TO", contou Affonso. O padrinho contou também que, durante a adolescência, Cabral era atacante do time de base do América.

Revolta

A filha de Cornélio Lopes, Sandra Maria Ribeiro, não permitiu a aproximação da imprensa no enterro. "O que tinha para falar eu já falei", disse. "Não estou culpando ninguém, mas futuramente é outra história." Após alguns minutos de orações, cerca de 30 pessoas acompanharam o cortejo sob chuva.

A aposentada Beatriz Ferreira de Souza, 64 anos, contou que conhecia Lopes há 20 anos e que fora vizinha do zelador antes de ele se mudar para o edifício Liberdade. "Fomos vizinhos por muito tempo. Era uma ótima pessoa", afirmou. Segundo ela, Margarida Vieira Lopes, que também morreu no desabamento, era a segunda mulher de Lopes.

Os dois moravam no 18.º andar do prédio, disse Roberto Carlos, 44 anos, sobrinho do zelador. De acordo com ele, o tio, que veio "ainda jovem" do Ceará e não tinha outros filhos, passava praticamente o dia todo no local e nunca havia reclamado de problemas na estrutura do edifício. "Podia haver um problema ou outro no trabalho, mas isso é normal", afirmou. (AE e o Globo)

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