O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou um inquérito, na última terça-feira (30), para investigar o Hospital São Camilo, fundado por religiosos, depois que uma paciente teve o pedido de inserção de DIU negado pela instituição católica. A investigação foi provocada pela deputada estadual Andrea Werner (PSB-SP), que enviou uma notícia-crime ao MP-SP.
Juristas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que obrigar hospitais confessionais católicos a realizar procedimentos contraceptivos viola a liberdade de consciência e de crença, já que as instituições também podem ser dotadas de direitos fundamentais.
“Pretender que o Estado regre os procedimentos realizados dentro de uma instituição confessional é uma invasão, tirânica, da esfera de liberdade garantida às instituições religiosas”, afirma Bruno Coletto, doutor em Direito.
Denilson Freitas, promotor de Justiça do Consumidor, foi o responsável por abrir o inquérito civil contra o hospital. A instituição tem o prazo de 15 dias para justificar os motivos da recusa de procedimentos contraceptivos, além de explicar se as negativas se aplicam a pacientes do SUS, particulares ou de planos de saúde.
Para o promotor, “a negativa de realização de procedimentos contraceptivos pode representar ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e pode acentuar indevidas exclusões sociais, na medida em que não assegura o direito à saúde e ao planejamento familiar”.
Hospital tem direito à liberdade de consciência e crença
Ana Luiza Rodrigues, doutora em Filosofia e Teoria Geral do Direito, afirma que o direito fundamental, quando aplicado a instituições, deve estar relacionado à finalidade da pessoa jurídica. “O Hospital São Camilo foi fundado por religiosos católicos camilianos e é uma obra apostólica. É evidente que, pela raiz da instituição e a finalidade pela qual ela foi fundada, ela é titular de um direito à liberdade de consciência e crença”, explica.
A Constituição Federal garante a liberdade de consciência e crença em seu artigo 5º, inciso VI. “A liberdade religiosa é uma esfera de imunidade. Ou seja, é um espaço onde os outros, e o Estado em especial, não podem intervir. A liberdade religiosa é para as pessoas professarem a sua fé, mas também para as instituições professarem a sua fé de modo institucionalizado”, complementa Coletto.
No inquérito, o promotor Denilson Freitas cita a Lei 9.656 de 1998, que obriga a cobertura de atendimentos em caso de planejamento familiar. Porém, Rodrigues comenta que essa lei é aplicada a operadoras de seguro de saúde e não a hospitais. “A própria lei não se aplica a hospitais, mas, ainda que houvesse uma lei aplicável, o direito constitucional de liberdade de consciência e crença sobrepõe a uma legislação infraconstitucional contrária”, avalia.
Paciente não teve direito violado porque tem possibilidade de inserir o DIU em outro hospital
“O direito da paciente em relação ao planejamento familiar não é prejudicado pela recusa do hospital, porque ela pode realizar o procedimento em outra unidade hospitalar. No entanto, caso seja obrigado a realizar esse procedimento contraceptivo, o hospital tem o direito irremediavelmente violado”, analisa Rodrigues.
“Neste choque de direitos não há nem que se falar que a paciente teve o direito negado. Os procedimentos contraceptivos não dizem respeito a uma lesão à saúde do paciente. Estamos falando de um procedimento preventivo à gravidez, onde não há um risco de morte da paciente”, acrescenta.
O Hospital São Camilo informou por meio de nota que “a diretriz é não realizar procedimentos contraceptivos em homens ou mulheres, exceto em casos de risco à saúde”. Para Coletto, o fato de a instituição realizar os procedimentos em casos graves descartaria inclusive a hipótese de discriminação.
Contatado pela reportagem da Gazeta do Povo, o Hospital São Camilo não quis se manifestar sobre a instauração do inquérito.
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