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Debate une engravatados e sem-teto

Luiz Herlain, da coordenação nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), figura entre os líderes populares que aplaudem a iniciativa do Ministério Público. Ele ficou surpreendido com o grau de informalidade dado por Saint-Clair Honorato Santos ao primeiro encontro de lideranças. "Saint-Clair chamou duas pontas – o mundo do capital e o do trabalho – para conversar. Não temos nenhum fórum de habitação que consiga colocar os dois lados debaixo do mesmo teto", elogia Herlain.

A expectativa dele é que, com o fórum permanente, o Ministério Público assuma uma postura mais agressiva e faça valer os princípios do Estatuto das Cidades. Hoje, não há no MP um setor voltado especificamente para ocupações irregulares e habitação em geral. Saint-Clair, por exemplo, é coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente – uma área afim. Mas a expectativa da CMP não é a de que surja uma promotoria de habitação, mas uma de urbanidade, mais abrangente, e que não trate o problema do meio ambiente, por exemplo, em separado do uso social da terra.

O coordenador da Associação de Moradores da Vila de Ofícios I e II, na Vila das Torres, Cláudio de Souza Santos, o Claudinho, entende que é muito cedo para prever o alcance da proposta do Ministério Público. Para o líder comunitário, se não houver um trabalho continuado, não há iniciativa que avance. "Temos muitas ações isoladas, que se perdem no meio do caminho. Precisamos de um programa concreto", diz. Uma nova reunião deve ocorrer em 6 de agosto.

Favelização deve pôr fim às divisas territoriais

Em tempos de PAC e de observatório, o inevitável deve acontecer: o debate sobre ocupações irregulares vai ser regionalizado, quem sabe sepultando a cultura de que o problema das favelas é do vizinho. Já não era sem tempo. Segundo o procurador de Justiça Saint-Clair Honorato Santos, essa tendência deve ganhar impulso com as práticas previstas pelo Mercosul, que vê nos conselhos territoriais um pré-requisito para a nova ordem mundial.

O diretor-presidente da Cohab, Mounir Chauwisso, diz que o momento não poderia ser mais propício para falar das favelas. "O assunto ficou muito tempo em segundo plano, mas agora não passa um mês sem que seja tema de um simpósio, de um encontro." Mesmo assim continua improvável que a aplicação de uma política integrada ocorra sem dor. "É difícil vencer as resistências dos municípios. Mas trabalhar junto é a única maneira de resolver impasses. Não dá mais para jogar a responsabilidade para os governos."

Para Alcidino Bittencourt Pereira, coordenador da Comec, qualquer que seja a mentalidade daqui para frente, não vai ter remédio sem que se entenda o efeito dominó por trás dos fatos. "Favela não se resolve com teoria", diz, enquanto puxa a linha do tempo que une as mudanças na agricultura do Paraná desde a década de 70, quando a lavoura de soja substituiu a de café, empurrando levas de gente para as cidades, fazendo com que 200 dos 399 municípios do Paraná tenham perdido população. "Onde colocar tanta gente?", repete, sobre a pergunta que Curitiba e seus vizinhos precisam responder.

Estima-se que 20% da população de Curitiba e região metropolitana (RMC) more em ocupações irregulares – ou favelas, como ainda se costuma falar. Mas o drama das moradias deficientes – e principalmente a falta delas – vive à sombra dos grandes debates municipais, como a violência do Parolin, os binários e a imolação de praças. Uma iniciativa do procurador de Justiça do Ministério Público (MP) do Paraná, Saint-Clair Honorato Santos, deve mudar o rumo dessa conversa e incluir a favelização na pauta de assuntos curitibanos, unindo órgãos e organizações não-governamentais (ONGs) que atendem os cerca de 500 mil sem-teto da RMC.

A proposta de Saint-Clair é criar uma espécie de "observatório da habitação", no qual voluntários, técnicos e interessados mantenham na ordem do dia a política para o setor, cobrando resultados, estudando dados e fazendo alarde, se preciso for. A primeira reunião do grupo aconteceu na última terça-feira à noite no MP e reuniu 75 participantes – do presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Rodrigo da Rocha Loures, a representantes do Instituto Lixo e Cidadania. Ainda é cedo para afirmar que pauta vai guiar os trabalhos, mas tudo indica que a principal bandeira do núcleo será a ação integrada entre os 26 municípios que formam a RMC.

Braço dado

Somar esforços virou uma questão de juízo. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal) vai investir R$ 530 milhões na região nos próximos quatro anos. Só vai participar do benefício quem aprender a andar de braço dado. Vai dar uma canseira danada: embora com dados incertos, é de consenso que a maior parte dos municípios da RMC não tem política habitacional, embora não falte a nenhum deles problemas a dar com o pé – de ordens de despejo a mendicância, passando por loteamentos informais, para citar algumas características de um território que não é para amadores.

Nesse contexto, a proposta do "observatório", aparentemente simples, pode representar uma nova plumagem para o setor, principalmente por ser uma iniciativa do Ministério Público. A participação do MP no mundo dos sem-teto é considerada tímida, quando não contraditória, segundo definição de alguns movimentos populares. Ao abrigar um núcleo de interesse, essa imagem tende a mudar. A partir de agora, o MP deve se posicionar sobre o que pensa das ocupações e se tornar, por tabela, um mediador de forças entre as companhias de habitação popular de Curitiba (Cohab) e do Paraná (Cohapar), a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) e pelo menos três grandes organizações populares que arrebanham os sem-teto, como a União Nacional por Moradia Popular, a Conferência Nacional de Associação de Moradores e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia.

Saint-Clair e os seus vão precisar de muita diplomacia para que o fórum não vire uma arena de gladiadores. Nem os sem-teto falam a mesma língua – diferentemente de seus parentes próximos do Movimento Sem-Terra – nem o poder público abraçou para valer o direito constitucional à habitação. É o que basta para que o problema das favelas se converta num campo minado, do qual muitos nem querem chegar perto. "Habitação virou um daquelas assuntos cercados de falsos dilemas", ilustra o advogado Vinícius Gessolo, da Terra de Direitos, ONG que presta assessoria jurídica para 35 comunidades ameaçadas de despejo ou em processo de regularização fundiária na RMC. "Ora a função social da moradia é desviada para se falar de danos ambientais, ora para tratar do direito à propriedade, esvaziando o debate. O próprio MP já se colocou a favor de despejos e contrariou decisões dos juízes. O que se espera é uma política de direitos humanos", reivindica Gessolo.

A contar pela disposição do procurador, o MP vem desarmado para o front. Saint-Clair deixa as polêmicas em banho-maria e diz que prefere tentar responder por que a 13.ª economia do mundo não consegue conter as ocupações, mesmo havendo tantas práticas voltadas para o setor. "É inadmissível ter tantas políticas e não haver resultados", protesta, no mesmo estilo imperativo com que transformou em debates apimentados questões envolvendo barragens e o destino do lixo. Dessa vez, ele quer começar o barulho pelo que chama de "Vila Pinto" – a Vila das Torres –, dizendo-se pasmo diante da situação surreal do bairro que há mais 50 anos vive à margem dos avanços urbanísticos da capital.

Déficit histórico

Segundo a Comec, 42.784 famílias de Curitiba e região esperam na fila por uma casa. O déficit habitacional equivale a pouco mais de 10% do número de residências dos 26 municípios juntos. É só um lado da moeda – outros porcentos se somam a esse. Há cerca de 78 mil casas sem infra-estrutura, 81 mil com infra-estrutura em petição de miséria e aproximadamente 37 mil residências com gente demais.

"Essas situações têm de ser resolvidas em etapas", sugere Alcidino Bittencourt Pereira, coordenador da Comec. "O impasse deixou de ser o financiamento de moradias e passou a ser a infra-estrutura, a quantidade de gente que vive em cada casa e onde essa gente toda vai morar", comenta Pereira, num esforço de descrever o que vai na caixa-preta da habitação. A ausência de teto traz a reboque a violência, a baixa escolarização, pouco trabalho, "e gente morando em área de manancial", como alardeia. Tem pano para manga.

A informação mais surpreendente é que entre as 800 ocupações irregulares da região metropolitana, praticamente metade está concentrada em Curitiba. De acordo com projeções do Plano de Desenvolvimento Integrado, da Comec, dos 43.127 casebres em favelas da RMC, cerca de 90% estão na capital. Não são dados confortáveis. Até 2020, a conurbação RMC vai duplicar, levando para as divisas a bola de neve da habitação. Nesse dia, os limites dos municípios não vão fazer o menor sentido. Tudo indica que é esse ponto do futuro próximo que as lentes do observatório de Saint-Clair querem enxergar.

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