Se o Supremo Tribunal Federal reabrisse hoje o processo que tratou do acordo de limites de terras entre Paraná e Santa Catarina, de 1916, provavelmente o Paraná conseguiria recuperar a região onde hoje é o oeste catarinense o estado perdeu esse território no final da Guerra do Contestado em um "tratado de paz". A opinião é do historiador e jornalista catarinense Nilson Thomé, que estuda há 40 anos a história da guerra. "Se você ler bem o documento, vai ver que o Paraná tinha argumentos suficientes para dizer que todas aquelas terras, do Rio Iguaçu ao Rio Uruguai, pertenciam a ele e não a Santa Catarina. Antes, isso tudo era dos paranaenses", diz.
Pelo menos as cidades de Mafra (SC) e Porto União (SC) deveriam voltar a ser do Paraná, segundo a opinião do historiador da Universidade Federal do Paraná Denisson de Oliveira, coordenador da Coleção História do Paraná (cinco volumes de livros distribuídos em 2002). "Os dois municípios foram divididos ao meio na época, incluindo a malha urbana. Deveria haver no mínimo um plebiscito para a população votar", diz.
O limite territorial é assunto de desentendimento até os dias de hoje porque a região, na época da guerra, era pouco valorizada por ambos os estados. Thomé chega a dizer que os coronéis que faziam parte da política paranaense ficaram indiferentes à guerra porque não sabiam o que havia naquelas terras, qual importância tinham. Já as mulheres da elite brasileira incluindo as do Paraná e Santa Catarina durante o auge do conflito do Contestado (em 1914) começaram a fazer campanha para arrecadar donativos para as vítimas da guerra na Bélgica, em decorrência da Primeira Guerra Mundial. "Elas literalmente viraram as costas para a desgraça que acontecia aqui. Os caboclos eram miseráveis, alguns morreram de fome e essas mulheres foram capazes de se comover com o que acontecia lá fora, mas não se importaram com o que ocorria no próprio estado", afirma Oliveira.
O início da Guerra do Contestado é outro fator sobre o qual ainda não se chegou a um consenso. "Não é uma guerra convencional entre dois países, mas um conflito civil choque de grupos internos que não tem declaração formal sobre seu início", explica Oliveira. Para ele, a guerra teria começado em 1912, quando o coronel João Gualberto e o curandeiro José Maria de Santo Agostinho foram mortos em Irani (SC). "Além disso, já havia conflitos entre posseiros e coronéis dos assentamentos. A violência já existia e só aumentou de 1912 para 1913", diz.
Nilson Thomé acredita que a guerra começou em 1913, em Taquaraçu, e teve data certa para seu início, meio e fim. "O combate de Irani foi uma causa precedente à guerra. E o exército acabou afirmando que iniciou a partir dali porque houve a intervenção do exército em 1912. Mas a guerra não poderia ter dado uma trégua de um ano para voltar. Ela começou em 1913", afirma. Foi neste ano que uma menina de nome Teodora teria tido uma visão do curandeiro da região José Maria (já morto). Ele teria dito para Teodora ir até seu avô Euzébio e dizer que era para ele voltar a Taquaraçu e ordenar que os caboclos (que estavam reunidos ali) se dispersassem porque a polícia teria mandado três destacamentos armados para lá. "Foi a primeira grande vitória dos caboclos, que eram muito crentes e passaram a acreditar que José Maria estava de volta com eles, mesmo que ressuscitado", afirma Thomé.
O fim da guerra foi declarado em maio de 1915 pelo exército. "Mas os combatentes não contam em livros ou relatórios o que aconteceu depois", alerta Thomé. O exército não conseguiu acabar com todos os caboclos e resolveu pagar três réis diários para aqueles que aceitassem "limpar" o território, ou seja, exterminar os grupos de caboclos que ainda existiam. Os fazendeiros da região que eram do governo faziam a indicação de nomes de possíveis mercenários. "Tenho documentado que pelo menos 84 pessoas foram fuziladas em um domingo pela manhã. Nos depoimentos que ouvi de cerca de 80 caboclos que participaram do conflito [que hoje estão mortos] há relatos de irmão que matou irmão, filho que matou pai. Esses homens comprados pelo exército não paravam para perguntar quem era o alvo deles ", afirma Thomé. Deste fuzilamento em diante acabou o Contestado. Os caboclos começaram a ficar com vergonha de ser o que eram, pois passaram a ser vistos como bandidos. O fim da guerra também teve interesses que até hoje não foram completamente estudados. Acredita-se que Afonso Camargo, que era presidente do estado do Paraná, também era advogado da madeireira Lumber, que pertencia ao empresário Percival Farquhar e explorava economicamente a região. "A quem interessava este acordo de paz? Provavelmente à ferrovia, a Farquhar e aos políticos da época", diz Oliveira.