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Canabidiol e THC

Oferta de produtos à base de cannabis pelo SUS esbarra em falta de evidências científicas

“Evidências sobre a segurança e a eficácia do canabidiol para o tratamento da maioria das doenças ainda são frágeis”, diz CFM (Foto: Reprodução/Medicom)

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O debate sobre a distribuição em todo o Brasil, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de medicamentos à base de Canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), substâncias da maconha, ganhou força após os estados de São Paulo e Paraná autorizarem o acesso gratuito aos produtos no início deste ano. O Rio Grande do Norte e o Distrito Federal, além de alguns municípios, também possuem leis semelhantes.

Em paralelo a essas autorizações regionais, no Congresso Nacional tramitam projetos de lei que pretendem tornar a distribuição do CBD pelo SUS uma realidade em todo o país. Apesar disso, o tema ainda é polêmico, já que não existem evidências científicas consolidadas de eficácia no uso terapêutico dos derivados da maconha para nenhuma doença, com poucas exceções - e sempre de forma adjuvante (não é a substância principal no tratamento) e paliativa (benefícios atenuantes da enfermidade e temporários).

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No Congresso, o projeto de lei mais recente acerca do assunto foi apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS) no dia 3 de fevereiro. Trata-se do PL 89/23, que propõe instituir a Política Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos Formulados de Derivado Vegetal à Base de Canabidiol, em associação com outras substâncias canabinoides, incluindo o THC, nas unidades de saúde públicas e privadas conveniadas ao SUS.

Na proposta, o senador menciona dificuldades de pessoas que desejam fazer tratamento com CBD para ter acesso ao medicamento e critica a burocracia e o alto custo que inviabilizam a aquisição. “Não é possível que essas pessoas continuem dependendo de uma decisão judicial para ter acesso aos medicamentos. Milhares de pessoas no Brasil dependem desse remédio para combater a dor. Há casos que a dor diminui 80 a 90 por cento. O desespero dos que mais precisam é que me levou a apresentar esse projeto”, explicou Paim.

Entre as justificativas para garantir a distribuição do CBD pelo SUS, Paim afirma, sem provar ou apontar alguma pesquisa científica, que existiriam estudos clínicos que indicariam a eficácia do medicamento para o tratamento de doenças crônicas como Epilepsia, Transtorno do Espectro Autista, Esclerose, Alzheimer e Fibromialgia, além de outras doenças.

Evidências científicas sobre eficácia são frágeis, dizem especialistas

Os argumentos do parlamentar são rebatidos pela comunidade médica. O professor e psiquiatra Ronaldo Laranjeira, que é coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), da Unifesp, e tem quatro décadas de experiência no combate à dependência química, considera absurda a distribuição de medicamentos à base de canabidiol pelo SUS e destaca a baixa evidência científica sobre o uso dos derivados da maconha para combater qualquer doença.

"Se você for ver as principais instituições médicas como a Food and Drug Administration [agência reguladora de produtos de saúde dos Estados Unidos], a Associação Americana de Psiquiatria, a própria Associação Brasileira de Psiquiatria e qualquer instituição grande não registram nenhuma evidência do uso terapêutico dos derivados da maconha. As pesquisas nessa direção são muito erráticas hoje em dia para falar que a maconha serve para essa ou aquela doença", diz. "Há poucas evidências, como que pode ser benéfico para casos raros de epilepsia que não respondem à medicação tradicional convencional", prossegue Laranjeira.

No ano passado, o próprio CFM recomendou prudência no uso do canabidiol, tendo em vista as evidências frágeis de estudos para guiar decisões clínicas. "As conclusões [dos estudos e contribuições] apontam para evidências ainda frágeis sobre a segurança e a eficácia do canabidiol para o tratamento da maioria das doenças, sendo que há trabalhos científicos com resultados positivos confirmados apenas para os casos de crises epiléticas relacionadas às Síndromes de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut", informou o CFM.

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) também emitiu, em julho do ano passado, um posicionamento recomendando cautela na utilização de derivados da maconha, como o canabidiol e o tetrahidrocarbinol (THC), lembrando que não existem evidências científicas que provem a sua eficácia contra doenças mentais.

Anvisa

Até o momento, a Anvisa aprovou 23 produtos de cannabis, sendo nove à base de extratos de cannabis sativa e 14 de canabidiol. Os produtos não são considerados medicamentos por falta de evidência científicas consolidadas de eficácia, e precisam ser prescritos com receita amarela (índice de THC menor de 0,2%) ou azul (índice de THC maior de 0,2%, maior risco).

Em 2019, a Anvisa liberou a importação dos extratos de canabidiol e THC para a fabricação de produtos no Brasil. Na época, a agência definiu que esses compostos seriam marcados com tarja preta devido ao risco de dependência, aumento de tolerância (necessidade de ingerir quantidades cada vez maiores para ter o mínimo efeito desejado) e intoxicação.

Outros projetos de lei sobre o tema

Além do projeto do Paim, tramitam no Senado outros dois projetos de lei que tratam da oferta de produtos à base da planta da maconha. Um dos projetos é o PL 4776/19, do senador Flávio Arns (PSB-PR), que propõe a regulação da cannabis para fins de pesquisa e produção de medicamentos à base da planta e seus derivados.

Outra proposta que trata do canabidiol, mas que se distingue do projeto do Paim por determinar o CBD como único princípio ativo, é o PL 5158/19, do senador Eduardo Girão (Novo-CE). De acordo com o projeto do senador cearense, que obriga o SUS a fornecer medicamentos que contenham o canabidiol como único princípio ativo, os medicamentos deverão seguir "as diretrizes terapêuticas definidas pelo CFM em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado e de acordo com indicações aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária".

Ademais, está em discussão no Congresso, o PL 399/15, que além de abranger a questão medicinal dos derivados da maconha, cria o Marco Regulatório da Cannabis. Na prática, a proposta autoriza atividades como cultivo, processamento, armazenagem, transporte, industrialização, manipulação e comercialização de produtos à base de maconha no país.

Caso seja aprovado, o Marco Regulatório da Cannabis trará riscos para a saúde e segurança pública. Os principais pontos citados são as dificuldades para a fiscalização adequada dos locais de plantio da Cannabis, o que poderia alimentar o comércio de maconha no país, que é ilegal; a ampla flexibilidade na prescrição médica de produtos à base de Cannabis; e uma possível redução da percepção do risco que a maconha representa.

Leis de estados e municípios

Sem uma lei nacional que trate da oferta de medicamentos à base de canabidiol pelo SUS, estados e municípios brasileiros têm criado suas próprias leis sobre o tema. A lei mais recente que facilita o acesso ao medicamento com CBD é do Paraná. A assembleia paranaense promulgou, na última terça-feira (14), lei que desburocratiza o acesso a medicamentos e produtos à base de CBD e THC.

Duas semanas antes, o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, sancionou o projeto de lei que previa fornecimento de medicamentos à base do canabidiol "em associação com outras substâncias canabinóides, incluindo o tetrahidrocanabidiol, em caráter de excepcionalidade", no estado.

No Rio Grande do Norte, a governadora Fátima Bezerra também sancionou, em janeiro do ano passado, uma lei que aborda o tratamento de saúde com produtos de cannabis e seus derivados. A lei potiguar também prevê incentivo à pesquisa sobre o uso medicinal e industrial da cannabis e da divulgação de informações sobre o uso medicinal para a população e para profissionais da área de saúde.

Já o Distrito Federal conta com uma lei de 2016 que incluiu o canabidiol na lista de produtos distribuídos pela rede pública de saúde. Em Búzios (RJ) e em Goiânia (GO), as prefeituras adotaram o uso de produtos à base de CBD na rede pública para famílias de baixa renda.

Risco para a saúde de uso caseiro e artesanal de elementos da maconha 

O advogado Roberto Lasserre, presidente do Movimento Brasil sem Drogas, apesar de apoiar estudos com substâncias da maconha para possível uso medicinal, ressalta que é preciso esperar protocolos definitivos e seguros de análise clínica. A manipulação artesanal da planta, sem cuidado científico e controle oficial da quantidade dos elementos para evitar intoxicação, pode colocar em risco a população.

"O projeto do Paim busca instituir um estudo e uma política mais detalhada para analisar possíveis benefícios desses medicamentos. Isso é importante e vem sendo desenvolvido em outros países, de uma maneira em tese promissora. Só que a gente não pode, de qualquer jeito, achar que essa é a solução para diversas doenças. Isso, a priori não está comprovado e precisa ser estudado de maneira mais aprofundada técnico-cientificamente", disse.

Ele lembra que a própria Anvisa teve o cuidado de não chamar de medicamentos produtos feitos à base de elementos da maconha (óleos) e especificou quantidades máximas dessas substâncias, especialmente do THC - substâncias alucinógena da cannabis - e que devem ser obtidas apenas em laboratório. Isso porque ingerir um “chá caseiro” feito com a manipulação artesanal da planta podem ter consequências sérias para o cérebro e outros órgãos.

O psiquiatra Laranjeira destaca ainda o risco da propaganda de que produtos feitos com maconha teriam o poder comprovado de tratamento ou cura de várias doenças, o que não é verdade. "A medicina nunca se recusou a buscar as evidências, e a medicina não tem esse preconceito com a maconha. A grande questão é querer transformar esses derivados da maconha como 'maracugina' [fitoterápico para tratamento de estresse], para ser usada em todos os tipos de males. E as pessoas caem nesse conto, sem evidência nenhuma", declarou o psiquiatra.

Laranjeira teme que os legisladores sejam influenciados pelo mercado da cannabis e acabem "caindo no canto do cisne fácil, de que a maconha tem um grande efeito".

"É um grande mercado, e os mercados da cannabis no Canadá e nos Estados Unidos estão saturando, e por isso buscam novos mercados. E o Brasil, pelo tipo de debate raso que tem sobre o assunto, pode se transformar em um grande mercado dos derivados da maconha. E se isso acontecer, a gente vai passar anos vendo que não está dando certo", declara.

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