O Ministério Público (MP) do Paraná denunciou à Justiça ontem oito pessoas por formação de quadrilha e seis delas por homicídio qualificado de sete pacientes da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) geral do Hospital Evangélico de Curitiba. Além da médica Virgínia Helena Soares de Souza, ex-chefe da UTI, foram acusados outros três médicos, três enfermeiros e uma fisioterapeuta. No futuro, outras pessoas podem ser denunciadas. O MP solicitou à Polícia Civil que faça novos inquéritos para averiguar a morte de mais 21 pacientes na UTI, além de outros casos registrados em boletins de ocorrência.
Para os promotores, os sete homicídios, ocorridos entre maio de 2011 e janeiro de 2013, foram duplamente qualificados: pela torpeza do ato (a decisão de decretar a morte de um paciente para fazer "girar" a UTI) e pelo uso de meios que dificultavam que as vítimas se defendessem. As investigações mostram que havia um padrão para ocasionar a morte dos pacientes: prescrição de medicamentos bloqueadores neuromusculares, associados a sedativos e analgésicos, seguidos de redução dos parâmetros de oxigênio nos respiradores dos pacientes. Após esse procedimento, diz o MP, as pessoas morriam de asfixia.
"É algo repugnante ao senso comum o fato de se escolher determinado paciente para morrer. É um exercício de onipotência, é brincar de Deus naquele momento", afirmou o promotor de Justiça Paulo Sérgio Markowicz de Lima. Segundo ele, pelo menos até este momento, a investigação não apontou nenhuma motivação econômica para o cometimento dos crimes.
O MP ressaltou que as provas reunidas comprovam a materialidade do crime. Foram usados os prontuários médicos, provas testemunhais e o conteúdo das interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça. "O artigo 167 do Código de Processo Penal permite a comprovação da materialidade indireta dos crimes, principalmente naqueles que não deixam vestígios", explicou a promotora de Justiça Fernanda Garcez. Segundo ela, as mortes ocorridas na UTI se enquadram nesse ponto. "É um crime que não deixa vestígios, Por isso foi descartada a exumação desses cadáveres, pois seria uma prova inconclusiva."
Dentre os prontuários analisados, a promotora disse que dois continham indicação terapêutica para uso dos medicamentos, mas nos outros não havia nenhuma explicação para o uso deles. "E temos testemunhas de que os padrões de ventilação foram reduzidos justamente no momento em que a pessoa precisava de suportes respiratórios."
A denúncia do MP foi protocolada na Vara de Inquéritos Penais. Após a distribuição da peça, o juiz terá prazo até o início da semana que vem para decidir se acolhe a denúncia. Nesse caso, os acusados se tornam réus no processo penal e começa a fase de produção de provas e oitiva de testemunhas.
Outro lado
O advogado de Virgínia, Elias Mattar Assad, criticou a denúncia e voltou a apontar a falta de provas contra sua cliente. Ele diz que os prontuários mostram apenas atos médicos e nada mais.
Acusação formal exclui médica indiciada
A médica Krissia Wallbach, que havia sido indiciada anteriormente pela polícia, não foi denunciada pelo Ministério Público. Segundo a promotora de Justiça Fernanda Garcez, não foi detectada relação entre a atuação dela e as sete mortes denunciadas. "Isso não significa que a participação dela ou de qualquer outro médico seja descartada", disse.
A médica Virgínia Souza foi acusada pelo MP por sete homicídios duplamente qualificados; o médico Anderson de Freitas, por dois homicídios; os médicos Edison Anselmo da Silva Júnior e Maria Israela Cortez Boccato e as enfermeiras Laís da Rosa Groff e Patrícia Cristina de Goveia Ribeiro, por um homicídio cada um.
A fisioterapeuta Carmencita Emília Minozzo e o enfermeiro Claudinei Machado Nunes não foram acusados por nenhuma morte, mas por formação de quadrilha, assim como todo o grupo. Esses três últimos não haviam sido citados no inquérito da Polícia Civil.