No ano de 1939, início da Segunda Guerra Mundial, a Região Centro-Sul do Paraná abrigava imigrantes de diversas nacionalidades, onde descendentes e originários dos países Aliados e do Eixo conviviam em relativa harmonia. Local considerado ponto de partida para dois sobreviventes da guerra, que foram à Europa em busca de trabalho e aventura, levando consigo o patriotismo de suas origens. Acabaram lutando em exércitos opostos, mas sofreram dos mesmos sentimentos e efeitos do conflito. Lembranças e conseqüência de uma guerra sem vencedores, onde o principal objetivo era resistir e tentar voltar para casa.
A cidade de Rio Azul, próximo a Irati, esconde um vilarejo de estranho nome. No Rio Vinagre, distante a seis quilômetros do centro, o ex-combatente de guerra Luiz Navacki mora sozinho, nos fundos da igreja que ele mesmo construiu. Com 94 anos, passa boa parte do dia descansando em sua cadeira na varanda de casa, aguardando a visita dos passarinhos e amigos. "Até hoje faço minha própria comida", orgulha-se. Navacki sofre com a visão desgastada e tem dificuldade de andar. Lúcido, faz questão de contar com detalhes sua aventura de amor pela pátria polonesa durante a Segunda Guerra. "Quando o Brasil entrou na guerra tentei me alistar no Exército Brasileiro, mas não fui aceito". "O país precisa de vocês aqui", disseram. Quem procurava por voluntários era o Exército Polonês, mas como Navacki nascera em São Mateus do Sul, estava subordinado às ordens do exército nacional. Sua vontade de lutar era tanta que não desistiu facilmente: ele e um amigo foram até Montevidéu, no Uruguai, e se alistaram como voluntários das Forças Armadas Polonesas. Trinta dias depois partiram para a Europa em combate.
Apenas cinqüenta quilômetros separam o município de Rio Azul do distrito de Gonçalves Júnior, em Irati. A pequena colônia de imigrantes foi palco para a infância de Paulo Barby, filho de uma tradicional família alemã, proprietária de um antigo moinho na região. Barby ajudava no que podia dentro do moinho, até seu pai oferecer uma viagem à Alemanha, custeada pelo governo alemão, para estudar e aprender uma profissão. "Fui para Curitiba e fiz os dois passaportes, brasileiro e alemão. Mais tarde recebi o aviso para embarcar em Santos (SP)", relembra Barby, que viajara com apenas 15 anos de idade. Durante o trajeto de navio, ele e mais 123 jovens brasileiros tiveram uma espécie de pré-treinamento militar. "Um xerife chegou e começou a explicar como funcionava o sistema alemão, de higiene, trabalho e ordem". Todos os dias, os jovens praticavam exercícios físicos pela manhã e à tarde tinham aulas de política. Uma introdução à educação nazista.
Enquanto Luiz Navacki encontrou a guerra nas suas batalhas finais, Paulo Barby acompanhou de perto o avanço das tropas alemãs e as diversas faces do conflito. Moageiro aposentado, 84 anos, Barby atualmente mora em Prudentópolis, perto da filha. Sua idade é disfarçada pela postura de um homem forte, que nunca teve medo do trabalho pesado e da guerra. Quando chegou à Alemanha, trabalhou como foguista e jardineiro, até ser encaminhado para um moinho em Elsnig, onde poderia exercer o ofício escolhido. "Lá perguntaram se eu era mesmo brasileiro. Espantaram-se porque eu era branco, pois esperavam a vinda de um negro", conta Paulo. No moinho, o rude patrão obrigava Barby a fazer todos os serviços da fazenda. Quando fazia algo de errado, era tratado com violência. Foi um ano de trabalho escravo, até se alistar no exército e ser recrutado para atuar na Luftwaffe, a Força Aérea Alemã.
Viajando num navio mercante, Luiz Navacki chegou à Inglaterra, onde recebeu um curto treinamento. Tinha se alistado como voluntário na Marinha Polonesa, que pertencia ao Exército Aliado. "Eu fazia um pouco de tudo lá. Em Londres, estávamos numa casa de pouso, nos preparando para dormir, quando veio o aviso de aviões alemães. Fomos para os abrigos. Só se ouviam os estouros. A cidade estava sendo derrubada", relata. Nesse tempo, Paris já estava ocupada pelo Eixo. Em terra, localizava-se uma das várias bases da Luftwaffe por toda Europa, que passavam instruções aos aviões militares. Lá estava Paulo Barby, trabalhando no painel de controle. "Minha função era marcar num grande mapa os aviões inimigos abatidos". Com o passar do tempo chegou a ser piloto de avião e metralhador de caça, até ser elevado ao posto de sargento. Barby trabalhou em diversos aeroportos, onde pelo menos três vezes recebeu a visita de Adolf Hitler. "Era um homem democrata, cumprimentava todo mundo, totalmente diferente daquilo que é escrito sobre ele", conta o ex-combatente.
Em 1944, com o avanço das Tropas Aliadas, a Marinha Polonesa foi chamada para a região da Normandia. Em junho do mesmo ano, Luiz Navacki participou do "Dia D", a maior invasão da história, tendo seu navio bombardeado por um submarino alemão. Durante a explosão de um ataque, o marinheiro acabou sendo arremessado para longe, só se salvando nas cordas do navio. "Estávamos afundando e fomos resgatados pela retaguarda americana, 49 tripulantes daquele navio acabaram morrendo", relembra seu Luiz. Em algum aeroporto alemão, chegava a notícia de que os franceses penetravam na fronteira com a Suíça. Paulo Barby então foi transferido para a infantaria e obrigado a lutar na fronteira. "Várias vezes pensei em fugir para a Suíça, ir até a embaixada brasileira e pedir para voltar. Mas não era tão covarde assim". Numa grande ofensiva inimiga, Barby foi baleado na perna e viu dois colegas morrerem ao seu lado. Ferido, ele se escondeu num buraco embaixo de montes de lenha, até ser resgatado dias depois pelos colonos da região. "Fui transferido para um hospital da Áustria, mas me recusei a ser operado. Disse que eu era brasileiro e precisava fugir. Tenho a bala até hoje em minha perna", conta o sobrevivente.
Paulo Barby ficou nove anos na Europa até conseguir voltar para o Brasil. Depois da guerra, ainda trabalhou em fazendas na Áustria e na Noruega, sendo repatriado em 1947. Na volta para casa, descobriu que seu pai tinha falido. "Minha mãe, orgulhosa de ter um filho lutando pelo seu país, mostrou para todo mundo minha foto fardado. Os clientes do moinho, maioria poloneses e ucranianos, acabaram se afastando. Por minha causa, meu pai ficou meio ano preso em Curitiba", emociona-se Barby. Já Luiz Navacki voltou ao Brasil depois de três anos na guerra. Trabalhou na lavoura e depois como professor de Português até se aposentar, nunca tendo o reconhecimento merecido. Da experiência, ficou uma lição. "A guerra não deveria existir. Quem está lá não consegue trazer felicidade e liberdade para ninguém". Olhos de uma guerra de lembranças.
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