As lonas e os barracos que tomaram conta de três terrenos no bairro Santa Quitéria durante o carnaval vêm chamando a atenção para um problema antigo em Curitiba, mas que ganhou força a partir do fim do ano passado. Segundo a prefeitura, desde novembro de 2006, vêm sendo registradas inúmeras ocupações irregulares na cidade, principalmente nos bairros que compõem a Regional Portão. A prefeitura não sabe precisar o número de novas invasões na capital, mas o tema já chamou a atenção do Ministério Público do Paraná, da Câmara de Vereadores e da Secretaria Municipal do Urbanismo.
Desde o fim do ano passado, a tática adotada pelos invasores que negam qualquer ligação com movimentos de luta pela moradia vem sendo ocupar terrenos particulares, pertencentes a construtoras e imobiliárias inscritas na dívida ativa municipal devido ao não-pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). A inadimplência pode levar a prefeitura a desapropriar as áreas, que já estariam ocupadas quando fossem incorporadas ao patrimônio do município.
O problema é agravado pelo fato de o governo do estado não cumprir as reintegrações de posse já determinadas pela Justiça. O caso do Santa Quitéria é um exemplo de como as ocupações vêm sendo conduzidas. Os invasores começaram a chegar ao local no dia 16 de fevereiro, sexta-feira anterior ao carnaval. Desde então, já tomaram posse de três terrenos nas ruas Rezala Simão, João Scuissiato e Brasílio Ovídio da Costa dois de construtoras falidas e um da Copel, onde passa uma linha de alta tensão. De acordo com invasores que parecem representar os demais apesar de negarem qualquer tipo de liderança (dizem trabalhar como voluntários) , há aproximadamente 220 famílias, ou cerca de 900 pessoas, nos três terrenos.
No maior deles, que fica nos fundos de um condomínio na Rua Rezala Simão, os ocupantes já começaram a dividir os lotes. A pessoa responsável pelo cadastro, que não revelou o próprio nome, disse que a ocupação foi "espontânea". "Veio gente da cidade inteira, que ficou sabendo por causa do boca-a-boca", afirmou. Ele disse que cerca de 800 pessoas procuram o "loteamento" por dia, mas garantiu que nenhum novo invasor está sendo aceito. "Aqui tem gente que dormia no carrinho de papel. São pessoas que não têm condições de pagar aluguel."
É o caso do pedreiro João (nome fictício), 46 anos, um dos primeiros a chegar ao local. "Ganho no máximo R$ 350 por mês e não tenho como fazer um financiamento", disse. "Pago aluguel e moro na Fazendinha. Meu sonho é conseguir uma meia-água para morar com a família. Não quero nada de graça, quero pagar. Com prestações de R$ 60 ou R$ 70 por mês."
Enquanto o pedreiro pensa no futuro, o presente vem assustando os moradores da região. "Não sabemos o que pode acontecer", disse uma moradora da região que pediu para não ter o nome revelado. "Estamos nos sentindo impotentes. Pagamos nossos impostos, mas não temos apoio de ninguém." Segundo ela, a Polícia Militar e a Guarda Municipal acompanharam a invasão durante o carnaval e depois se retiraram. "Depois disso, começou a chegar gente com facão. Teve uma madrugada em que ouvimos um tiro."
O administrador da Regional Portão da prefeitura, Fernando Guedes, disse que ficou assustado com o número de invasores. "Temos notícias de invasões pontuais, mas esta surpreendeu pelo volume de pessoas. O que nos revolta é ver o direito de propriedade violado", disse. "Essa disposição de se ocupar áreas de maneira ilegal e descontrolada nos preocupa, porque são áreas sem planejamento para receber um adensamento populacional desta natureza."
De acordo com o diretor do Departamento de Fiscalização da Secretaria Municipal de Urbanismo, José Luiz Filippetto, os bairros mais visados pelos invasores são Santa Quitéria, Fazendinha, Novo Mundo e Capão Raso. Também há áreas públicas invadidas, como a da Copel, ou que pertencem à própria prefeitura. "É difícil dizer a quantidade, porque é uma coisa diária. Hoje (ontem) mesmo retiramos uma barraco da beira do Rio Barigüi, em área de preservação", comentou Filippetto. "Isso tudo sem falar no incômodo para os vizinhos. O valor dos imóveis cai e a insegurança aumenta."