ONGs como o ISER realizam pesquisas para monitorar a ação política de setores religiosos considerados “conservadores”| Foto: Reprodução / ISER
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A ação política de esquerda na sociedade vai muito além da mera ocupação dos espaços do poder público. Uma das grandes forças da esquerda é a vasta rede de ONGs e congêneres que atuam em consonância com os partidos políticos alinhados, e prestam o suporte para que os ideais progressistas sejam aplicados na sociedade. Tática negligenciada pela direita (veja mais abaixo)

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Neste meio, uma das mais importantes atividades é a produção de pesquisas que possam subsidiar a ação política, que disponibilizem conhecimento organizado e que demonstrem da maneira mais exata possível os movimentos da sociedade. O fim é conseguir mapear quais segmentos da sociedade resistem às ideias "progressistas”. E é por isso que os cristãos conservadores passaram a estar na mira dessas ONGs.  

Um exemplo atual é o recente combate ao projeto de lei 1904/2024 que pretende equiparar a pena da realização de aborto após a 22ª semana (quando o bebê é viável fora do útero) ao crime de homicídio. A proposta antiaborto recebeu amplo apoio não só de grupos pró-vida, juristas e médicos, mas de cristãos conservadores. Estes últimos, com forte poder de persuasão na opinião pública. 

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Para barrar um projeto como esse, como quer a esquerda, é fundamental saber como votam os deputados e quem os influencia. “Quantos deputados (e quais) são abertamente contra o aborto e quantos (e quais) são indecisos?” A resposta a essa pergunta é necessária para uma atuação política mais eficaz na aprovação ou rejeição de um projeto de lei como esse.

Além disso, pensando em uma atuação de médio e longo prazo, é fundamental saber quais são as forças sociais que empurram pautas como essa. No caso do PL 1904/2024, os comentários contrários não hesitaram em acusar uma tentativa de impor uma “teocracia” no Brasil, devido ao apoio católico e evangélico ao projeto de lei, mesmo que a questão - a morte de um ser humano - não seja um tema religioso, mas constitucional, de direito à vida.  

O jurista e colunista do UOL Wálter Maierovitch, por exemplo, afirmou recentemente no portal que o PL é “uma tentativa (...) cada vez maior da presença da igreja num Estado laico. O Estado laico, usando uma linguagem popular, está indo para o vinagre. Nossa tendência é abraçar uma teocracia”.

Ora, se as diversas denominações cristãs estão lutando por uma mudança política, conhecer os personagens é fundamental para uma ação mais eficaz. É justamente isso que a esquerda faz tão bem. E há algum tempo a ascensão de cristãos conservadores entrou no radar dos seus institutos de pesquisa.

No Brasil, a rede de institutos deste gênero e que defendem ideias progressistas é enorme. E muitas são financiadas por dinheiro de instituições internacionais.  

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Estudos da Religião 

O monitoramento da ação política que vem dos setores religiosos ditos “conservadores” tem sido o foco recente das ações do ISER – Instituto Superior de Estudos da Religião. A ONG nascida em Campinas nos anos 70 tem o objetivo de “desenvolver pesquisas interdisciplinares, que tenham uma contribuição a oferecer à teologia”. Pouco tempo depois, a instituição expandiu suas metas para “promover estudos e pesquisas no campo da educação, da cultura e da religião”.

Ao buscarmos o histórico do instituto em sua página da internet, observa-se um alinhamento com as pautas promovidas pela esquerda como, a relação entre “Igrejas e AIDS”, o “Consumo Sustentável”, o apoio à “Campanha Nacional do Desarmamento” e muitas atividades da pauta racial e ambiental.  

A partir de 2020, durante o governo Bolsonaro, o instituto iniciou a “pesquisa sobre parlamentares confessionais no Legislativo Federal e Frentes Parlamentares religiosas”. Esta pesquisa resultou no site chamado Religião e Poder, “uma plataforma que oferece dados abertos, pesquisas, artigos e reportagens sobre a interface da religião com a política institucional e a atuação de agentes políticos com identidade religiosa nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”.

Além disso, esse enfoque ensejou várias publicações que exploram a relação entre religião e política como o “Dicionário para entender o campo religioso”, “Religião e Voto, uma fotografia das candidaturas com identidade religiosa nas Eleições 2020”, “Cartografia dos Catolicismos Jurídicos Antigênero” e muitos outros.

No ano de 2024, chama a atenção a publicação de “Direitos Sexuais e Reprodutivos, Religião e Punição”, apoiada pelo Urgent Action Fund, uma organização de apoio a pautas feministas.

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O documento contém vários artigos, entre eles um chamado “Neoconservadorismo e criminalização do aborto: impasses para o exercício dos direitos reprodutivos de mulheres negras no Brasil”, assinado pela professora Nathalia Diorgenes Ferreira Lima.

No texto, está escrito que “nos últimos quinze anos, assistimos ao crescimento vertiginoso de grupos religiosos fundamentalistas que radicalizaram a saída da religião da vida privada e conquistaram espaços de poder na sociedade civil e no Estado brasileiro” [grifo nosso]. O artigo defende em linguagem acadêmica o direito ao aborto para que as mulheres negras tenham plenamente assegurado seu “direito à capacidade reprodutiva”.

Um exemplo mais emblemático do trabalho que vem sendo realizado pelo ISER é o documento “Religião, democracia e a extrema direita”, publicado em 2023 em parceria com a fundação esquerdista alemã Heinrich Böll. Na apresentação, lê-se que há 10 anos essa parceria funciona com o intuito de “entender o projeto político neoliberal, conservador e extremista que já naquele momento se avizinhava como forte componente da política brasileira”.  

Neste documento, encontra-se o mais puro substrato do que representa a visão progressista sobre a atuação de grupos conservadores cristãos, mais especificamente no artigo: “Religião e política: breves reflexões e proposições a partir de um olhar sobre os evangélicos”.

Ali Nina Rosas, doutora em Sociologia, professora adjunta do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que a ascensão do conservadorismo se explica “a partir de uma conjuntura geopolítica global de ascensão de movimentos antidireitos humanos, antipluralismo, antidiversidade; de governos de extrema direita, neofascistas, reacionários e de desmanche dos mecanismos democráticos, muitas vezes se utilizando desses próprios aparatos”.  

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E faz um alerta: “o grupo dos que se autodeclaram evangélicos, sendo muitos deles conservadores e encontrando pontos de conformidade com essa direção transnacional, está cada vez maior”.  

Em outras palavras, se você é cristão e conservador, você é antidemocrático, quando não participante de um esquema fascista internacional. Por algum motivo inexplicado, a única régua moral válida é a do progressismo internacional de esquerda.

Essas publicações são difundidas por outros parceiros e contam com a simpatia da Agência Pública, que difunde regularmente as pesquisas do ISER.

Não existe almoço grátis (ou como a direita está atrasada) 

Você pode não concordar com a escala de valores, mas tem de admitir que estudos no nível dos elaborados pelo ISER são fundamentais para atuação política. Há pouco tempo eles publicaram, por exemplo, uma análise sobre entidades jurídicas antiaborto no Brasil.

Produzir informação neste nível, com pesquisa, elaboração, envolvimento da comunidade acadêmica, diagramação e tudo o mais que envolve esse tipo de trabalho exige bastante tempo e dinheiro. E é para isso que a esquerda pode contar com amplo apoio internacional (e nacional) de fundações que apoiam as pautas progressistas. O que raramente acontece com a direita.

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No último relatório de atividades publicado (de 2023), o ISER exibe em seu balanço financeiro os valores recebidos para investimento “nos projetos e na manutenção da infraestrutura necessária à realização do trabalho”. Citando apenas os mais relevantes: Open Society, R$ 2,333 milhões; Fundação Ford, R$ 881 mil; ICS – Instituto Clima e Sociedade, R$ 503 mil e Porticus, R$ 503 mil. Contando todas as outras doações, o valor arrecadado chega a quase R$ 6 milhões anuais!

A título de comparação, a Agência Pública divulgou uma matéria em 2023 reclamando de deputados de “extrema direita” que estariam ajudando um centro antiaborto por meio de emendas parlamentares. O valor identificado pelo jornal: “ao menos R$ 170 mil em emendas parlamentares destinadas ao centro nos últimos quatro anos.” É isso mesmo, em quatro anos, cento e setenta mil…

Também chama atenção a quantidade de parceiros do ISER; são 30 entidades listadas no site, a maior parte com ideais abertamente de esquerda, entre as quais, a já citada Nexo. A lista da rede de apoiadores e parceiros pode ser encontrada aqui e, por sua vez, eles também contam com outros apoiadores e parceiros de ideais semelhantes. Essa rede dá a ideia da amplitude das ideias de esquerda no aparato institucional brasileiro.

Contatamos a ISER para que pudesse explicar melhor sua atuação, mas até o momento do fechamento desta matéria ela não havia se manifestado.