Satisfeita, passageira até vendeu o carro
A pesquisadora Daniella dos Reis Garcia, 26 anos, é taxativa: se na empresa em que trabalha não houvesse a opção do transporte fretado, usaria carro todos os dias. A consultora de RH Paola Morschel Jazher, 26 anos, tem uma história semelhante. Resolveu vender seu carro depois que começou a usar o fretamento para ir trabalhar. Se não tivesse essa possibilidade, seu carro ainda estaria na garagem. "É triste, mas não usaria o transporte coletivo normal. Há pouca quantidade e é muito demorado", diz.
Daniella mora no Ahú e, todos os dias, pega uma carona com o seu pai até o Centro, onde passa o ônibus fretado. Às 7h10 o ônibus sai rumo a Araucária. Os 50 minutos de viagem não representam estresse. "Vou ouvindo música ou conversando", conta.
Paola mudou sua vida em função do fretado da empresa. "Eu morava antes no Jardim das Américas. Quando fui procurar apartamento, resolvi comprar um perto do trajeto que o ônibus faz", diz. Hoje, ela mora no Portão, a uma quadra do local em que o ônibus passa. O carro foi vendido.
Segundo ela, o trajeto seria percorrido em 15 minutos de carro, contra 25 minutos com o fretado. Mas ela não se arrepende. "Não tem aquele estresse do trânsito. Começo o meu dia melhor. É qualidade de vida", diz.
Especialistas dizem que benefícios não valem para todos os casos
Especialistas ouvidos pela reportagem são mais céticos quanto aos benefícios que o fretamento pode trazer para as grandes cidades. De acordo com o professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Garrone Reck, o fretamento funciona bem para empresas com um grande número de funcionários e que tenha horário de entrada e saída concentrado.
O professor de Engenharia de Tráfego da (UFPR) Pedro Akishino concorda. "Para a empresa que tem só cinco funcionários, cada um morando num canto da cidade, não adianta", diz. Por isso, segundo ele, o fretamento traz mais vantagem para o usuário do que para o trânsito como um todo. No ano passado, a capital paulista passou a restringir o acesso de fretados em 70 km² ao redor da Praça da Sé, no centro de São Paulo, entre 5 e 21 horas, por considerar que os veículos também contribuíam para o congestionamento.
Reck lembra que este tipo de modelo não pode, pela lei, competir com o transporte público e nem pode haver cobrança individualizada de tarifa. Todos os passageiros de uma viagem em um determinado ônibus fretado devem pertencer à mesma empresa. Caso contrário, poderia se configurar transporte irregular.
"Nenhum fretado pode receber pagamento no momento da viagem, pois passar do fretado para o pirata é um passo", lembra o coordenador do curso de mestrado e doutorado de Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Fábio Duarte.
Segundo Duarte, toda e qualquer linha de fretado deve ser regulamentada por uma agência pública, incluindo os trajetos (para que não usem faixas preferenciais de coletivos), pontos de parada (para não atrapalharem trânsito) e tarifas (para não competirem com público, pois as tarifas públicas trabalham com trechos ociosos, que são pagos pelas linhas mais usadas).
A opção das lotações, admitida em outras cidades do país, como Porto Alegre, não é permitida em Curitiba. Consideradas confortáveis, tendem a atrair também os usuários do carro, retirando automóveis da rua. "Seria um outro modal para buscar o passageiro de automóvel, mas seria necessária uma pesquisa de origem-destino para adequar o modal ao perfil da demanda", diz Reck.
O fretamento é uma das soluções possíveis para ajudar a diminuir os problemas de congestionamento nas grandes cidades. É o que mostra uma pesquisa da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) e da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo (Fresp). De acordo com o estudo, o fretamento é uma modalidade que encontra mais aceitação que metrô e ônibus de transporte público modais comumente apontados como opção para o carro, considerado vilão do problema de trânsito nos grandes centros.
É consenso entre os especialistas que só uma alternativa com algumas características semelhantes às do transporte individual poderá convencer os motoristas a deixar o carro na garagem. Segundo o levantamento sobre a imagem dos modais, 97% dos usuários de fretamento consideram o serviço bom ou excelente, deixando-o atrás apenas do transporte individual, que tem 98% de aceitação. O metrô vem em terceiro lugar, com 96%.
O principal motivo alegado pelos usuários para a utilização do fretamento é a qualidade do serviço, a pontualidade, segurança e comodidade. Outras vantagens para quem viaja de ônibus por fretamento, dizem, é pode ler, ouvir música, ver tevê, ou simplesmente dormir durante o trajeto. A modalidade só pode transportar passageiros sentados. Limpeza, higiene e ordem dentro do veículo também foram atributos positivos apontados pelos entrevistados.
Em Curitiba e região metropolitana o sistema já é responsável por 38 milhões de deslocamentos todos os anos. Cada usuário custa cerca de R$ 185 para a empresa que contrata o serviço valor que pode ser repassado ou não para o funcionário e que costuma ser inferior aos gastos com automóvel particular. A economia também pode beneficiar a cidade. Estima-se que Curitiba perca cerca de R$ 2,55 milhões anuais com congestionamentos. Cada ônibus fretado, de acordo com a Fresp, é capaz de reduzir R$ 405 destes prejuízos por dia.
De acordo com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Curitiba (Sinfretiba), há 41 empresas filiadas e cerca de 1.129 veículos em uso em Curitiba e região. Calcula-se que cada ônibus equivale a quinze carros retirados de circulação, o que significa dizer que a frota de fretados em Curitiba e região metropolitana é responsável por retirar todos os dias quase 17 mil carros das ruas. Dados da Fresp mostram que, no estado de São Paulo, os fretados retiram das ruas cerca de 225 mil carros diariamente, o equivalente a um quinto da frota curitibana.
"Quanto mais você expande o fretamento contínuo, mais você retira carros das ruas. O funcionário, ainda, chega mais descansado a empresa e rende mais", afirma o diretor executivo do Sinfretiba, José Vicente Calobrizi Ferreira. De acordo com Ferreira, hoje o fretamento não é realidade só de grandes empresas. "Há empresas com 5, com 50 ou 500 funcionários que contratam o fretamento", explica.
Segundo ele, contratos personalizados e diferentes tamanhos de ônibus facilitam esse tipo de negociação. "Pode-se fazer um esquema de pegar o funcionário porta a porta ou não", exemplifica. Na hora de se montar os itinerários, segundo Ferreira, há o cuidado de se pensar em formas que o usuário não acabe perdendo tempo demais no percurso. "Não adianta deixar o passageiro duas horas em trânsito. Costuma-se pensar um trajeto de cerca de 45 minutos", diz.
A diretora executiva da Fresp, Regina Roch, frisa ainda que o fretamento não compete com o transporte coletivo. "Ele atrai o usuário do automóvel e pode também trabalhar como complemento do transporte público", diz.
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