A tensão entre a família e o Estado é um tema presente desde os primeiros tratados de filosofia política. Platão, por exemplo, acreditava que a educação era uma tarefa primeiramente do governo, e que a família não tinha o direito de ensinar as crianças como bem entendesse. De lá para cá, especialmente após a ascensão do Cristianismo no Ocidente, a ideia da família como uma esfera independente do Estado ganhou força. A Declaração Universal de Direitos Humanos estabelece que “Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos”. Mas o embate continua. Uma das grandes discussões gira em torno de temas morais: as escolas têm o direito de ensinar aos alunos, à revelia dos pais, temas delicados que envolvam a sexualidade? Na última semana, o assunto foi discutido em um simpósio organizado Heritage Foundation, o think tank (centro de pesquisa em políticas públicas) mais influente dos mundo, em parceria com outras seis organizações. A conclusão é que, embora o Estado tenha seu papel na educação, ele tem ultrapassado em muito os limites do aceitável, e que os pais precisam reagir.
O cenário americano não difere em muito do brasileiro porque, assim como no Brasil, embora o governo federal adote um viés mais conservador, a definição dos currículos depende primariamente dos governos estaduais. Além disso, em ambos os casos, organizações internacionais como a ONU financiam programas que, sob a justificativa de promover a saúde sexual e emocional dos jovens, adotam premissas questionáveis e violam a primazia da família.
“O Unicef, a agência que deveria apoiar as crianças, está promovendo essa agenda, e publicando material dizendo que as crianças têm o direito de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva sem o consentimento dos pais”, afirmou Sharon Slater, presidente da Family Watch International, durante o seminário.
Segundo ela, outras agências da ONU também têm promovido uma agenda radical no campo da sexualidade.
As entidades pró-família criticam uma abordagem da educação sexual que ignora aspectos morais e convence as crianças e adolescentes de que os únicos limites à atividade sexual devem ser a prevenção às DSTs e à gravidez, mas que ambos podem ser contornados com o uso de preservativos e anticoncepcionais (ou a prática do aborto).
No simpósio, Irene H. Ericksen, pesquisadora do Institute for Research and Evaluation, apresentou os resultados de um estudo que revisou a literatura sobre o tema. Depois de analisar 120 artigos sobre o assunto, de acordo com ela, existem mais pesquisas demonstrando os efeitos negativos da educação sexual ostensiva do que o contrário; além disso, mais pesquisas apontam para os benefícios de uma política de promoção da abstinência. Ou seja: não se sustenta o principal argumento para a educação sexual abrangente na escola - o de que, apesar de restrições morais por parte da família, a educação sexual deve ser oferecida desde cedo por uma questão de saúde pública.
Se se restringisse a elencar os fatos sobre a sexualidade humana, portanto, a educação sexual abrangente já seria questionável para públicos de certas idades. Mas a situação é ainda mais grave porque, com frequência cada vez maior, esse conteúdo vem permeado por uma visão ideológica radical sobre a sexualidade. Essa concepção inclui a ideia de “gênero” como algo flexível e separado do sexo. Em grande parte, a batalha das famílias está na tentativa de incluir esses conceitos nos currículos escolares como se eles fossem verdades universais. Mas o debate vai além dos currículos escolares.
“Muito do aprendizado acontece quando notamos os códigos sociais, como a política da escola para determinado assunto, e não apenas o que o professor diz em sala de aula. Então, se a escola tratar o gênero como algo fluido, que existe em um espectro, e tiver, por exemplo, políticas para os vestiários que aceitem a ideia de que o gênero existe em um espectro, os estudantes vão incorporar isso”, disse, no seminário, Ryan Anderson, doutor pela Universidade de Princeton e autor de um livro recente sobre a militância transgênero.
"Essas políticas e estes currículos não são um acidente. Eles são o resultado de um esforço deliberado para por ativistas, autoridades estaduais e federais, e conselhos escolares. Mas os pais é quem sabem o que é melhor quando o assunto é necessidade de suas crianças”, complementou Angela Sailor, vice-presidente do Instituto Edwin J. Feulner.
É, sem dúvida, uma batalha desigual: famílias contra o peso da máquina estatal e, por vezes, supranacional. Por isso, cada vez mais, pais têm se organizado horizontalmente, por meio de coalizões locais ou nacionais que têm como objetivo proteger as crianças do perigo da sexualização precoce e da doutrinação ideológica envolvendo questões de gênero. No Brasil, uma das formas de se engajar nesse front é procurar saber o que os Conselhos Municipais e Estaduais de Educação estão debatendo, já que esses órgãos têm um poder considerável de decisão sobre os rumos da educação - sobretudo a educação pública.
Nos Estados Unidos, como no Brasil, ignorar o assunto já não é uma opção viável para as famílias. “Os pais têm que se engajar nesses assuntos, e logo, mesmo quando as crianças estejam ainda pequenas, esta é a realidade de viver no século XXI. Os pais precisam tomar o controle das interações das crianças nesta área”, resumiu, no simpósio, Andrew Beckwith, do Instituto da Família de Massachusetts.
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