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Policiais vigiam a entrada da Vila Cruzeiro depois de operação policial
Policiais vigiam a entrada da Vila Cruzeiro depois de operação policial| Foto: André Coelho/EFE

A operação da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) realizada em conjunto com a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), nesta terça-feira (24), na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, gerou atritos entre a PM fluminense e o Supremo Tribunal Federal (STF).

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Desde 2020 estão em vigor restrições impostas pelo STF a operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia da Covid-19, o que, segundo a Polícia Militar, tem favorecido o fortalecimento das facções criminosas locais. Além disso, a corporação afirma outras consequências são o retorno para o Rio de Janeiro de lideranças que comandavam as organizações criminosas de fora do estado e também a migração de chefes de facções de outras unidades da federação para o Rio.

A operação na Vila Cruzeiro, que deixou 23 mortos, estava sendo planejada há meses, mas foi deflagrada de forma emergencial devido à movimentação de narcotraficantes ligados ao Comando Vermelho, que estariam prestes a atacar outra comunidade. Após uma das equipes da PM ser alvejada, a polícia decidiu acionar uma operação de emergência com pouco mais de 100 homens, dentre policiais militares e da PRF, e houve intensa troca de tiros.

No dia seguinte à ocorrência, o ministro Edson Fachin, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 – chamada “ADPF das Favelas”, na qual foram determinadas as restrições às operações nas comunidades do estado – criticou a ação policial. O ministro chegou a conversar com o Procurador-Geral de Justiça do Rio e expressou “muita preocupação” com a operação. Fachin também pediu investigação da conduta dos agentes de segurança.

No mesmo dia da operação, no entanto, o secretário de Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, atribuiu ao STF a culpa pela migração de criminosos de outros estados para o Rio de Janeiro, que estariam se sentindo protegidos diante da decisão da Corte de dificultar as ações policiais. Entre os mortos na ocorrência desta terça estavam lideranças do Comando Vermelho de estados das regiões Norte e Nordeste.

“A gente começa a perceber essa movimentação, essa tendência de ligação com o Rio de Janeiro a partir da decisão do STF. Isso vem se acentuando nos últimos meses e essa tendência, esses esconderijos nas nossas comunidades são fruto da decisão do STF”, disse o coronel em coletiva de imprensa.

Em contrapartida, ministros do Supremo questionaram, no início da sessão plenária desta quinta-feira (26), a atribuição de culpa ao STF. Enquanto Fachin disse que a imputação de culpa à Corte é “objeto de preocupação do presidente Luiz Fux e de todo o Supremo”, o ministro Luiz Fux foi mais além e disse que a PM fluminense “deve satisfações” e que está aguardando tais informações.

Para especialistas em segurança pública, decisões do STF geraram consequências desastrosas

As restrições às operações policiais no Rio de Janeiro tiveram início com uma decisão do ministro Edson Fachin em junho de 2020 e depois foram ampliadas após o PSB, autor da ação, entrar com embargos de declaração pedindo esclarecimentos sobre as decisões. Dentre as várias determinações do Supremo estão a proibição de se realizar operações nas comunidades durante a vigência da pandemia, exceto em casos “absolutamente excepcionais”; exigência de comunicação prévia ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ); vedação do uso de helicópteros; instalação de câmeras nas fardas dos policiais da PMERJ; criação de um observatório formado por representantes do STF, de entidades civis, polícias e pesquisadores para supervisionar a atuação das forças de segurança do estado; dentre outros.

Fachin chegou a propor a quebra de sigilo de todos os protocolos da atuação policial no estado, sendo seguido por Rosa Weber, Roberto Barroso e Cármen Lúcia. Os demais ministros, no entanto, vetaram essa medida e argumentaram que isso poderia comprometer a própria eficácia das operações.

A avaliação de especialistas em segurança pública ouvidos pela reportagem é que o efeito das restrições é a consolidação do poder das facções criminosas ligadas ao narcotráfico, o que se traduz em uma escalada sem precedentes na gravidade dos confrontos.

“Armados com fuzis e demais armas de excelente qualidade e motivados por esse ‘estímulo’ do STF, que praticamente consolida a ideia de ‘soberania’ dos criminosos sobre aquele local, os criminosos estão muito mais dispostos para o confronto e se sentindo legitimados a defender suas posições naquele território”, afirma Adriano Klafke, especialista em segurança pública e Direito Constitucional.

O resultado óbvio, segundo ele, é uma escalada na gravidade dos confrontos. Para o especialista, há interferência do Supremo em outros poderes ao, na prática, “legislar” sobre segurança pública e criar normas administrativas para os agentes de segurança. Tal medida, na avaliação de Klafke, corresponde à invasão de competências dos poderes Legislativo e Executivo.

  Arsenal de guerra apreendido pelas forças de segurança na Vila Cruzeiro durante operação desta terça-feira (24) (Foto: PMERJ)
Arsenal de guerra apreendido pelas forças de segurança na Vila Cruzeiro durante operação desta terça-feira (24) (Foto: PMERJ)

“As consequências dessas decisões são desastrosas, como se tem visto, contribuindo muito para essa confrontação de alta letalidade. Mesmo com esse erro evidente, os ministros não serão responsabilizados por essas decisões”, observa. “Veja que grande dificuldade é alguém que não responde pelos resultados de suas decisões seguir tomando decisões que afetam diretamente o dia a dia das pessoas”, analisa.

Para o coronel da PMERJ Fábio Cajueiro, ex-comandante de operações especiais e fundador da Associação Beneficente Heróis do Rio de Janeiro (ABHRJ) – entidade que atua no apoio a policiais militares feridos em combate –, a criação de um dispositivo jurídico que deixa ainda mais à vontade os integrantes de facções criminosas está desvinculada da realidade. “A mensagem que o criminoso captou após essas decisões é: vamos nos armar, nos fortificar e criar mais barricadas [obstáculos feitos de concreto, madeiras, ferragens, pedras e outros elementos para impedir a passagem de veículos das forças de segurança]”, afirma.

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O coronel conta que um dos seus comandados foi, anos atrás, atingido por uma granada lançada por traficantes na própria Vila Cruzeiro, e chegou a perder uma das pernas. “No GTPP [Grupamento Tático de Polícia Pacificadora] dele, ao longo de cinco anos, 55% do grupo foi morto ou ferido em combate. Essa estatística só tem paralelo em tripulação de submarinos alemães na Segunda Guerra Mundial”, declara.

Para o coronel, em situações normais vivenciadas pela polícia fluminense é bastante raro que haja reação na hora da realização de prisões. Em locais dominados pelo narcotráfico, a reação, já comumente agressiva dos criminosos, está cada vez mais intensa devido às restrições. Ao reagir a ataques, a polícia, tecnicamente muito mais preparada, tem condições de neutralizar um grande número de criminosos e sofrer menos baixas. Nesse cenário, explica ele, há vítimas de balas perdidas normalmente de tiros efetuados pelos próprios traficantes, que atiram a esmo e não têm a preocupação de evitar ferimentos de moradores.

Entenda a operação na Vila Cruzeiro

A operação na terça-feira teve início ainda de madrugada, quando policiais das diferentes corporações se posicionaram fora da Vila Cruzeiro para surpreender um comboio com dezenas de traficantes do Comando Vermelho, que estariam em deslocamento para a favela da Rocinha, na zona sul da cidade. As forças policiais esperavam prender em flagrante os criminosos armados – vários deles eram lideranças da facção no Rio de Janeiro e de outros estados.

Por volta das 4h, no entanto, uma das equipes policiais foi descoberta e atacada pelos traficantes, seguindo-se de um contra-ataque das forças de segurança. Os traficantes insistiram no confronto e, pressionados pelos agentes, recuaram para a Vila Cruzeiro, até chegarem a uma área de mata que liga a comunidade ao Complexo do Alemão. Além das barricadas montadas, os criminosos também tinham emboscadas preparadas para confrontos.

Segundo nota da PMERJ à Gazeta do Povo, na operação foram apreendidos fuzis, pistolas, granadas e 20 veículos, dentre motos e carros, que faziam parte do comboio. No fim da tarde, equipes policiais retornaram ao local e fizeram novas apreensões - dessa vez, mais de uma tonelada de entorpecentes, além de mais armamentos e granadas.

 Policiais apreendem mais de uma tonelada de drogas durante operação na Vila Cruzeiro (Foto: PMERJ)
Policiais apreendem mais de uma tonelada de drogas durante operação na Vila Cruzeiro (Foto: PMERJ)

Dentre os mortos estava Mauri Edson Vulcão Costa, conhecido como “Déo”, que integrava o alto escalão do Comando Vermelho no Pará e estava no Rio de Janeiro para comandar crimes no estado paraense. Déo, que respondia a 23 processos por homicídio, associação com o tráfico e tráfico de drogas, é apontado nas investigações como o mandante de mais de 20 ataques a agentes de segurança no estado fluminense nos últimos 30 dias, sendo que em 16 deles agentes foram mortos.

Foragido da Justiça do Amazonas, Roque de Castro Pinto Junior também foi morto durante o confronto. Ele era procurado pela polícia desde 2018, após por ter comandado uma chacina em Manaus em uma disputa contra uma facção rival.

Pelo menos nove mortos na Vila Cruzeiro tinham antecedentes criminais, mas ainda não é possível afirmar se todos os outros que foram a óbito no confronto estavam ligados a atividades criminosas. Uma moradora de 41 anos morreu após ser atingida por um tiro e a polícia afirma que o disparo foi feito por traficantes.

A ação também foi alvo de críticas da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Ministério Público do estado (MPRJ) e o Ministério Público Federal (MPF) anunciaram a abertura de procedimentos de investigação para apurar as circunstâncias da operação.

Por outro lado, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), valorizou a operação e afirmou que a PMERJ seguiu todos os protocolos estabelecidos pela ADPF 635. Pelo Twitter, ele citou também que a região dos complexos se tornou “hotel de luxo” para chefes de facções criminosas de outros estados brasileiros.

“Apostar contra a polícia é fazer o jogo da bandidagem! E quem perde com isso é você que mora no Rio e a sua família, que ganham a vida por meio do trabalho honesto”, ressaltou o governador nas redes sociais.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) também parabenizou as forças de segurança pela operação. “Parabéns aos guerreiros do BOPE e da PMRJ, que neutralizaram pelo menos 20 marginais ligados ao narcotráfico em confronto, após serem atacados a tiros durante operação contra líderes de facção criminosa”, publicou Bolsonaro nas redes sociais.

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